sexta-feira, 19 de abril de 2002

LINgUAGEm CAnInA

A semana inteira fiquei pensando em que escrever. Uma coisa era certa na
minha cabeça: não queria fazer algo que já tinha feito. Queria que essa
semana fosse diferente. Mudasse um pouco. Nem que piorasse, o que acho
particularmente difícil.

Falar sobre o enecom e como ele foi importante para mim. Isso até passou
pela minha cabeça. Dizer que, como diria Aldous Huxley, as portas da minha
percepção foram realmente alteradas. Dizer que algumas coisas antigas que
não passavam pela minha cabeça há uns bons quatro anos deram seu ar da
graça. Mas acho que ainda não tenho um distanciamento histórico que me
permita entender realmente o que houve. Ou tenho e tenho medo do que ia
sair.



Nessa semana fui chamado de pessimista. Pela décima milésima sétima vez.
Pareceu um elogio no início. Depois, como é de costume, me analisei para
chegar no cerne da questão. Por que sou pessimista? Por que gosto tanto de
ser pessimista? Não quero falar sobre isso agora.



Pensei em ser falcatrua. Usar um trabalho da faculdade aqui. Colocar, com
algumas modificações, algo que tenha feito nas coxas para poder tirar 7 e o
professor me deu 9 ou 8 e meio, aqui. Mostrar como se aprende ser falcatrua
naquela faculdade. Isso eu aprendi no enecom. Como todas as faculdades de
comunicação do Brasil inteiro são falcatruas.



Meu humor muda a todo momento. Se alguém ficar perto de mim por mais de uma
hora perceberá que saí do animado para o completo depressivo sem esperança.
Não acredito em nada e no papai noel no momento seguinte. Devem ser os
hormônios.



Pensei em falar sobre minha mãe. Ou sobre meu pai. Ou sobre eles. Ou sobre
nós. Mas deixarei isso para o futuro. Algumas coisas diferentes realmente
estão acontecendo.



Por isso vou publicar uma coisa que acabei de fazer. Não tenho nenhuma idéia
do que é. Apenas tive vontade de escrever. E foi. Está aqui do meu lado.
Está em papel ainda.



Boa sorte. Para nós todos. Às vezes nós precisamos. Mas só ás vezes.

(antes de começar a ler, coloque para tocar

PLACEBO: WITHOUT YOU, I´M NOTHING)








O VALE DAS MULHERES QUE DIZEM NÃO
OU

AS MULHERES QUE DIZEM NÃO



Há um vale

No meio de dois morros

No final do bosque

Mais verde de dia

E escuro de noite



Um vale que todos

Temos acesso

Mas poucos reparam



Ou reparam de maneiras

Diferentes

Ou reparam em personagens

Diferentes



Onde tudo funciona em desacordo com

o que imagino



tomam o desjejum a tarde

comem só a forma

jogam o recheio fora

calam quando deviam falar

andam quando estariam paradas



e são apenas mulheres

só mulheres moram no

vilarejo



mulheres comuns

que podem até se conhecer

mas é raro e não importa



o que chama a atenção

é que fazem exatamente

aquilo que peço para não fazerem



se mando pular, voam

se é para correr, estacam

se ririam, gargalham



as mulheres sempre extrapolam

surpreendentemente

surpreendem



fazem tudo diferente

deliciosamente

diferente



e sempre me apaixono por elas

uma de cada vez.

Ou,

O que é mais raro,

Todas juntas.



Ronaldo Pelli







APENAS


No final

Penso

Se apenas

Não quero

Apenas

Um mulher

Com rostos

Diferentes

Apenas



Podem ter todos

os sotaques

podem gostar de tudo

podem brincar

ou fugir

podem ser quem

quiserem

apenas

penso

que só procuro

um mulher

que se transveste

de outras para me enganar

como se corresse atrás

de ninfas em florestas

da antigüidade

que só existem

em imaginação e

em filmes ruins



e todas as vezes

que chegasse perto

dela,

ela sumiria e apareceria

no final do bosque

ou atrás daquela árvore

apenas

parece que escorre entre os dedos

parece que só posso provar

e cuspir

só posso degustar, como vinho

para fingir que me lembro

apenas

para montar lembranças

para me alegrar



apenas



talvez o gosto

seja muito doce

e enjoe



apenas talvez



ou apenas tenho que

ficar sozinho

apenas isso

apenas sozinho

sempre

e é melhor me acostumar com a idéia.



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