segunda-feira, 15 de julho de 2002

Sinopse 2002-1
por Ronaldo Pelli

Pontos-de-vista

Ricardo é convocado às pressas, por telefone, horas antes da aula começar para substituir o professor Jorge Figueiras, renomado catedrático da escola de cinema, que sofrera um derrame e está internado na UTI. Ricardo deve cobri-lo nas aulas do curso de direção que começam hoje.

Ele caminha pelo corredor na direção da sala de aula. Abre a porta da sala assustado. Todos os olhos se viram procurando o autor do barulho. Anda no meio da sala em direção ao palanque. Sobe no palanque e olha para todos os alunos. Todas as espécies e tipos de aprendizes estão representados ali embaixo. Ele se apresenta e explica o motivo da ausência do professor Jorge. Escuta-se murmúrios e reclamações. Ricardo, para desviar a atenção de todos, pega a pauta e começa a fazer a chamada. Chama nome a nome e pede que todos se apresentem.

Roberto Sá Freire, professor de geografia que, parece, estacionou na década de 70. Usa boina pendurada na cabeça e não faz a barba desde quando tinha há 18 anos. Diretores preferidos: Glauber Rocha e Godard (apesar de nunca ter entendido direito).

Monique Domingues, 21 anos incompletos. Usa óculos quadradinho e adora cinema iraniano. Faz jornalismo na PUC e adorava freqüentar, no início do curso, a casinha para fumar maconha com uns neo-hippies. Mas agora tenta esquecer esse capítulo do seu passado.

Ricardo Antunes, o Boca. Adora filmes-lixo. Seu sonho é fazer parte da Pepa Filmes. Achou que o John Waters se vendeu no seu último filme - com a Melanie Grifith.

Joaquim Soares, engenheiro de som. Detesta o cinema brasileiro. Quer fazer o curso para dirigir o roteiro que ele escreveu sobre um navio transatlântico que bate num iceberg no meio do Atlântico. Trabalhou em vários filmes brasileiros, mesmo odiando-os. Acha que todo cineasta brasileiro ou é veado ou é maluco. Ou os dois.

Lane e Lena irmãs gêmeas não idênticas que fazem de tudo para se parecerem. Uma tem a pele morena e outra é mais branca que o giz. Fazem faculdade de artes plásticas e conhecem de vista Monique.

Cláudio Cardoso, o Caco. O CDF da turma. O tipo gordinho que pergunta todas as horas para poder impressionar o professor. Leila Castro, modelo e manequim. Morena de cabelos lisos até a cintura. Fez algumas pontas em filmes desconhecidos.

O professor Ricardo termina de fazer a chamada e olha para a turma. Todos parecem interessados no que ele vai falar. O que ele vai falar, nem ele sabe. “Como começar?”, fica pensando.

Depois de alguns segundos de silêncio, Ricardo olhando os alunos, os alunos olhando aquele professor jovem, a aula começa. E transcorre sem problemas até o primeiro desacordo aparecer.

O professor Ricardo dá o exemplo de “Morangos Silvestres” do Bergman e “A doce Vida” do Fellini para demonstrar duas formas possíveis para usar o “dissolve”, o recurso de corte.

Joaquim Soares levanta a mão e pede a palavra. Ricardo deixa que ele se expresse:

Joaquim Soares –
Professor, acho que eu estou aqui na minoria, mas eu detesto esses filmes pretensiosos.

Ricardo (um pouco exaltado) –
Pretensioso? O que é que você quer dizer com pretensioso? Quem você está chamando de pretensioso? Fellini? Bergman?

Joaquim –
Professor, calma. Eu só acho que ninguém entende este tipo de filme. Bons mesmo são os filmes americanos. Estes é que empolgam as platéias. Veja que tudo quanto é filme americano sempre está com os cinemas lotados.

Então Roberto entra na discussão. E depois Monique. E mais outro aluno. Logo todos os alunos que estão em sala discutem. Uns tomando posição favorável ao cinema americano, outros radicalmente contrários a ele. O professor tenta apartar a confusão formada, mas sem querer, somente alimenta mais a discussão.

Acaba o tempo da aula. O professor tenta chamar a atenção para este “detalhe”, mas todos estão entretidos querendo provar que a sua opinião era mais valiosa que a do outro. Ele se levanta e sai da sala sem que ninguém perceba.

Nenhum comentário: