domingo, 18 de agosto de 2002

(eu tinha perdido esse texto. é antigo e tem algumas falhas grotescas...)

Déja vu

Imaginem que um homem pudesse estar andando na rua, naquele período entre o amanhecer e a madrugada, quando o céu começa a tomar cores acinzentadas, violetas e, por fim, azuladas. Andando numa rua larga, com árvores dos dois lados, com poucos carros passando, fazendo uma longa caminhada, quando céu já está azul no final. Ou outro homem indo trabalhar pela parte da manhã, chegando no centro da cidade, naquele preto do asfalto misturado com o cinza do concreto misturado com as cores das pessoas e das roupas das pessoas que passam por ele. Ou a mulher sozinha no ponto de ônibus, voltando para casa, no final da tarde, depois de um passeio sem compromisso, apenas pelo prazer de andar, com o céu se avermelhando, com um zumbido de cigarras, com uma brisa vindo do mar. Ou ainda um garoto na fila no meio da rua em frente a um cinema se transformando em vitrine, em horizonte, em papel de parede.
E esse homem, andando na rua, ou indo trabalhar, ou esperando o ônibus, ou em uma fila, percebe-se, sem mas nem porquê, que tudo aquilo que ele estava presenciando, ele já tinha visto. Que tudo fosse igual a um déjà vu completo. Que tudo era a repetição de um filme que ele já tinha assistido. Que tudo se repetia, e não parava de se repetir. Que quando acabasse um momento, iniciaria outro exatamente igual ao momento anterior. Que não houvesse um início, um meio ou um fim. Que não pudesse identificar esses segmentos. Que tudo fosse conectado, um com o outro, sendo o início muitas vezes o meio e o fim e o início e o meio de novo. Que parecesse uma fita constantemente rebobinada, passando uma cena e logo se repetindo.

O homem, andando, indo trabalhar, esperando o ônibus, na fila, começaria a reparar as nuanças de tudo o que ele não tinha reparado anteriormente. Ficaria tomando notas mentais sobre esse ou aquele detalhe. E repetia para si tudo, todos os momentos, até gravá-los na memória.

Ás vezes a cena se repetia de maneira diferente, como se fosse um jogo dos sete erros. Ou sempre se repetia de maneira, delicadamente, diferente. De maneira que quase não se notava as modificações de um fotograma para o outro. E depois dos oito quadros ou dezesseis quadros no segundo, dependendo da sua velocidade, a cena já era essencialmente outra. Mas ainda era aquela anterior. Apenas acrescida de alguns detalhes que não tinham sido notados anteriormente.

Para alguns parecia que a cena só se repetia, de forma completamente monótona. Outros conseguiam ver toda a dinâmica do processo. Outros, ainda, ficavam olhando e apreciando, indo de um lado para o outro. Saltando de uma velocidade para a outra. Saboreando todas as sensações como se fosse um bom vinho tinto. Rindo um pouco pelo engrandecimento através do conhecer.

Alguns sentaram e quase enlouqueceram, ou enlouqueceram de verdade, vendo todas as cenas se repetirem na frente. Se sentiam presos dentro de um cárcere sem portas. Como se tivessem aberto todas as trancas da prisão e o mundo tivesse se tornado a prisão. A liberdade se transformou na falta de liberdade. Não sabiam lidar com o poder que a decisão tem. Optar virou um desafio e um incômodo.

Outros, com o tempo, acabaram se acostumando com a idéia e, hoje em dia, nem mais ligam para isso. Apenas andam ou param na rua ou em casa como se não soubessem da verdade. Vivem uma vida medíocre, no sentido de ser média, cotidiana, comum. Optaram não optar.

E os últimos brincam. Pulam de um lado para o outro. Deslizam por entre todas idéias estabelecidas. Não concebem os conceitos nem conceituam os ditados. Tomam as verdades nas mãos, nas palmas das mãos, e olham para elas, miudinhas, quietas e inócuas.

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