quarta-feira, 11 de setembro de 2002

Figuras de linguagem

No fundo, ou no fim, tudo é apenas uma mistura de metáforas e metonímias. Nada é o que parece ser. E tudo, sem sombra de dúvida, é figura de linguagem.

Nunca podemos retratar uma ação, ou atitude exatamente como ela aconteceu, porque não estaremos nas mesmas condições da original. Tudo é simulacro porque não é a verdadeira. Tudo é cópia, tudo é uma pequena mentira que acreditamos como a realidade.

Existem filmes que assumem a metáfora – ou a metonímia – e fazem verdadeiros retratos de situações, mesmo sem tocar diretamente no assunto. Já falei, há um tempo atrás, de “Concorrência Desleal”, do Ettore Scola. Ele retrata a convivência entre judeus e italianos e o clima que havia na Itália logo antes de eclodir a segunda guerra mundial. Para isso, ele precisou de apenas duas famílias que tinham o mesmo ofício. Só isso. O filme é simples, palatável e sensacional.

Nessa semana pude assistir a dois filmes que disseram muito, mesmo sendo apenas um pedaço do que eles queriam dizer. Dois filmes completamente diferentes entre si, de amplitudes e representatividades quase antagônicas. O primeiro, quase desconhecido, lembrado somente por aqueles que freqüentam o antro de circuitos, ou os cinemas – ditos – alternativos. O outro um medalhão, pule de dez na lista dos melhores filmes de todos os tempos. Do diretor que é considerado o inventor da montagem como a conhecemos hoje.

“Banhos” é o segundo filme do diretor chinês Zhang Yang e mostra – através de uma linguagem fluida e nem por isso menos poética – todas as disparidades que estão ocorrendo numa China que tenta ser cosmopolita, mas não quer largar o osso das suas tradições. Isso tudo, é claro, com uma pequena família de três pessoas como protagonistas.

O patriarca da família tem uma casa de banhos, como existe em quase toda a China que chove. Porém, a casa e todo o quarteirão devem ser derrubados para a construção de – adivinhem – um shopping. O filho mais velho havia optado em ir trabalhar na parte rica da China, com emprego em grandes empresas, deixando a tradição para o passado. E já temos o conflito, que no caso é representativo de toda uma nação, para desenvolvermos o filme.

O segundo é, nada menos nada mais que, “Encouraçado Potenkim”, do mestre Sergei Eisenstein. Como diria um amigo meu, o filme é muito antigo para ainda ser considerado excepcional. Mas, é impressionante a forma que ele conta uma história – dificílima de ser contada ainda hoje em dia – no cinema mudo. E, para mexer no clichê, o que a seqüência da escadaria? Aquilo deveria ser mostrado para todas as gerações que aspiram ser cineastas. Com um pequeno cenário, Eisenstein monta toda uma série de imagens que parecem ser retiradas da maior escada da humanidade. Montagem, posso escutar, apenas montagem.

Mas voltemos. O roteiro do “Encouraçado” faz também parte do – que chamei – cinema de parte que diz o todo. Ou simplesmente cinema metonímia. Retrata um pequeno acontecimento que reflete toda uma realidade. No caso específico do clássico russo, o incidente não é assim tão pequeno. O motim no navio de guerra, por causa da péssima qualidade de comida servida para os marujos, foi o estopim para a – tentativa de – revolução de 1905. Não havia como retratar todo uma revolução naquela época. Talvez hoje isso fosse complicadíssimo. A saída mais genial era mostrar um evento que representasse todo um fenômeno. E foi o que ele fez, magistralmente.

Acredito que se “Encouraçado” não fosse um filme mudo, teria o mesmo impacto que um “Cidadão Kane” tem até hoje em qualquer tipo de platéia. O que é impressionante. O filme não é monótono, não é chato, não é arrastado. É facílimo ver como Eisenstein estava muito a frente do seu tempo. Compare as tomadas, os planos, as seqüências, a montagem desse único filme com qualquer um – médio, deixemos claro – americano das décadas de 30 e 40, por exemplo. Os americanos eram muito mais conservadores, muito mais herméticos, caretas e chatos. Eisenstein tentava fazer coisas diferentes. Só isso já valeria o filme.

Esse tipo de cinema que aceita a metonímia como parte fundamental e indispensável é a conclusão de que o importante é passar a mensagem sem ruídos. Ou somente com os ruídos pensados. O importante é que, quando o espectador saia da sala de projeção, entenda o que queriam dizer. Cinema é isso.

Um comentário:

Anônimo disse...

bom comeco