segunda-feira, 23 de dezembro de 2002

Não é novidade nenhuma que “a grande tendência” sempre se aproveita das inovações propostas pela juventude – ou qualquer outro grupo representativo – para transforma-la em moda, ou como melhor se encaixa, em modismo.

O processo é simples. Inova-se e espanta-se. Entende-se e assimila-se. Destrói-se o genuíno e se produz em série. Com bonecos numerados em tamanho natural.

O movimento rock, coitado, é um alvo da “grande tendência” desde que foi inventado. Era muita energia sendo canalizada para algo, digamos, improdutível, no conceitual medíocre da sociedade. Visivelmente alguém iria se aproveitar disso. Usemos o punk como estudo de caso, por estar mais à mão.

Foi criado a partir de uma tendência que se fazia necessária dentro de uma Londres atormentada por greves e problemas com as “reformas” trabalhistas propostas pelo partido conservador britânico. Pode-se até dizer que era uma onda que assolava o mundo inteiro à época, como se todos quisessem, ao mesmo tempo, dizer que não era bem assim que eles acreditavam que o mundo deveria seguir, que o “flower power” não tinha a energia que eles precisavam gastar, que simplesmente detestavam o estabilishment por ser estabilishment. Mas a essência do movimento, não é possível negar, foi fomentada por uma boutique que necessitava modificar o seu portfólio.

Vivemos numa ressaca que dura quase uma década à procura de um novo messias depois que o Nirvana acabou. Milhares de pseudo-Kurt Cobain se apresentam diariamente se oferecendo em sacrifício pela obra, uns menos outros mais interessados, mas todos pecam por um simples detalhe, excesso de desejo pelo resultado final.

Como se todos quisessem se transformar em mártires sem ter que passar pelas provas e privações a que todos os mártires devem passar. Ou que querem colher os resultados sem antes plantar nada substantivo.

Alguns menos medíocres, mas apresentando resultados da mesma forma infrutíferos, tentam viver a mesma, exatamente a mesma vida que já foi de outro. Assim, além de não ter nada de genuíno, pecam pela falta de originalidade, que são duas coisas parecidas, mas diferentes.

O que torna espinhenta a luta pelo caminho é que, mais dia, menos dia, a “grande tendência” o alcançará. Como acontece com o lobo mau para as crianças, a “grande tendência” vai te pegar.

A “grande tendência” não inventa. Ela copia a invenção e massifica para o acesso de todos. E qualquer produto em série pode vir com erro de fabricação. E não podemos ligar para um procon da vida para reclamar se não gostarmos ou se percebemos que fomos enganados a cada cd que abrimos.

Vivemos num mundo de genuinidade falsa. Produz-se o novo em máquinas, seguindo padrões internacionais de segurança, de risco e perigo calculados. O verdadeiro genuíno é perigoso, mortífero e venenoso. É o limite, faz-se porque é necessário. A inovação é assumir riscos desnecessários, apenas pelo prazer.

Talvez, e isso é que é o mais interessante, o próximo genuíno venha de outra fonte. Como o Dapieve disse há mais de um ano atrás, “o rock morreu”. Kurt Cobain só nos forneceu a data para colocarmos na lápide. Como acontecera com o jazz em era passadas, o rock se transforma num segmento para maduros.

O que não deixa de ser uma ironia do destino. O movimento que desde seu surgimento pregou para viver o máximo possível e morrer jovem (talvez para evitar a vergonha de se encontrar com sua obra inacabada e descobrir que não, você não mudou o mundo) será ministrado, daqui para frente, por senhores respeitosos, barrigudos e carecas, com suas roupas, cuidadosamente rasgadas e rebeldia perfeitamente ensaiada.

Já o genuíno, a invenção, o novo, o jovem, vem da eletrônica. E por mais que existam sinais que a “grande tendência” já sabe disso, ainda há terreno para manobras virgens. E como estamos falando da música eletrônica, o número de combinações é próximo do infinito.

A e-music é o exemplo perfeito para a contemporaneidade. É uma música de colagens, referências, sobreposições, e, principalmente, de tecnologia. Faz-se músicas com computadores e só com computadores. Os instrumentos, como o conhecemos, também morreram. Faz-se música da sua casa, onde quer que você more. Faz-se músicas sem saber fazer música. Basta o interesse e um programinha de computador que é possível baixar de sites especializados. Nunca o legado punk, do “do it yourself”, foi levado tão ao pé da letra.

Dentro da própria música eletrônica já nasce divisões, sub-divisões e tendências. Alguns defendem o retorno a uma eletrônica mais crua, sem uso excessivo de tantos recursos informáticos, outros apostam no experimentalismo com tudo o que puder ser usado, outros usam a mesma batida para produzir músicas parecidas, ainda há os que mesclam tudo isso num mesmo caldeirão, os que produzem músicas de outros gêneros só com recursos eletrônicos, os que misturam gêneros já conhecidos para produzir outra coisa, os que destroem os gêneros e as barreiras... Ou seja, tudo dentro dos conformes.

E se hoje inova-se, se assusta, amanhã se consolida, se acostuma, depois de amanhã, se repete, se assimila e se produz em série. Haverá os Lennons, os Mcartneys, os Sid Vicious, os Roger Waters, grupos, no caso, produtores e djs, do peso de Clash, ou The Smith, Led Zeppelin, movimentos que abalaram estruturas como Seattle, Woodstock, ou o próprio Punk. Nada da forma como estamos acostumados, tudo completamente diferente, mas com um gostinho de “já ouvi essa música antes. Onde é que foi mesmo?”

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