quinta-feira, 2 de janeiro de 2003

alguns amigos já haviam me sugerido a "trilogia de nova iorque" para ler com o argumento de que iria gostar de qualquer maneira do Paul Auster. mas, o que me convenceu a começar a ler o americano foi saber como era e o que era o último livro dele, "o livro das ilusões".

através de uma resenha, vi que havia algumas referências ao mito Borges (e maior contribuição para a literatura no séc. xx, na minha humble opinion. não em inovações estilísticas, mas numa aproximação da literatura de ficção da filosofia e do culto ao racionalismo acima de tudo). e com o título, comprovei que poderia haver - e até há - essa ligação, mas bem de leve. para completar as coincidências, que seu personagem principal afirma ironicamente não existirem, ganhei o título de natal.

a tal pós-modernidade tem vários elementos que são facilmente identificáveis. alguns livros de ficção lidam bem com isso e enumerá-los não é difícil. alguns são voltados para segmentos - ou tribos, como os pós-modernos adoram ser chamados - da sociedade, como os trintões, os amantes da tecnologia, os pós-adolescentes etc etc etc. o livro de Auster seria para os "adultos", a tal literatura séria.

mas nem por isso ela perde algum tipo de qualidade, ou é pior que livros do Nick Horby, outro desse autores pós-modernos. apenas ele tende a narrar situações mais "maduras", como casamentos, mortes, problemas com dinheiro, terrorismo e por ai vai. nesse livro, especificamente, o protagonista é um professor universitário que perde toda a família num acidente de avião e entra numa depressão profunda. só consegue sair dela, depois de muitos meses desesperado, quando assiste a um programa de filmes mudos que citava um comediante que, afirmavam, havia desaparecido há muito tempo atrás. david zimmer, o nome do protagonista, sorri de novo e toma como função de vida fazer um livro sobre os filmes do ator, diretor e roteirista hector mann.

claro que a partir daí, milhares de situações movem a narrativa para frente, e o que torna o livro um grande representante dessa corrente que estamos inseridos - que aliás, preza pela falta de unidade, logo de facilidade de elucidar quem é quem - é exatamente a quantidade de situações que ele cria, a quantidade de coisas que ele tem que passar, quantos jogos ele nos faz participar.

não é uma literatura video-clipe, é perceptível que o autor nunca teve a intenção de produzir o mesmo efeito na nossa cabeça, mas ele tende a produzir milhares de imagens dentro do menor espaço de tempo, sem tempo para que nos apeguemos a pequenos detalhes, sem enjoar ou perder o ritmo.

e como é um "livro das ilusões", muitas dessas situações não são reais. existem só para desviar a atenção do foco principal. como um número de mágica onde o protagonista em cima do palco deve mostrar sempre uma mão para a platéia e fazer a mágica com a outra.

auster usa da sua familiaridade com o cinema - foi roteirista e diretor de alguns filmes - para retratar de modo completamente elucidativo as imagens projetadas nas telas de cinema de hector mann. ou para narrar sobre a possível vida que o ator teria levado nos posteriores ao seu sumiço da vida agitada de hollywood. ou para apresentar o protagonista, suas motivações, seus perfis e sua intenções.

um dos traços mais interessantes da obra é que, por mais que ele apresente provas, documentos, dados que comprovem os fatos narrados, nenhum deles é realmente verdadeiro. ou são verdadeiros em parte, ou apenas verdadeiros vistos de certos ângulos. ou sendo verdadeiros, não sabemos que o são. até o final do livro vivemos numa constante dúvida sobre se o que acontece é de fato o que ele narrou na, chamemos, dimensão dele. e por mais que seja uma ficção, mesmo na sua realidade não sabemos em quais fatos devemos acreditar.

essa questão, o que é a verdade e o que é a ilusão?, funciona como combustível que move a nossa ansiedade para ler tudo e saber aonde ele quer chegar. e no final, ele pode ter mostrado toda a verdade. quem, além do próprio Paul Auster, saberá?

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