segunda-feira, 7 de abril de 2003

passei a última sexta feira revendo e refazendo os três contos aqui de baixo. os dois primeiros postados tiveram pequenas correções de rumo, explicando fatos outrora ambíguos ou obscuro. já o último, que publico somente agora, sofreu quase uma operação plástica. porém, o gene inicial ainda existe. (não sei porque ainda escrevo essas notas esclarecedoras)

Rio de Janeiro, 31 de maio de 1998
Joana, minha linda Joana,

Não se assuste com esta carta. Provavelmente nós nunca mais nos veremos. Porém, sem sombra de dúvida, ainda penso em você todo o tempo que tenho.

Não quero que você chore pelos cantos. Não quero me sentir mais triste por ter lhe proporcionado essas culpas. Gostaria que você só lembrasse de mim quando pensasse em todas as coisas boas que passamos juntos.

Eu sei que foi efêmero. Mas, durante esses três meses eu vi que você se divertia e você gostava e você me queria. Foi uma paixão consumista, como você me disse inúmeras vezes.

Para mim, porém, cinco anos passaram e ainda tento reavivar cada segundo que vivi ao seu lado. Passo vinte quatro horas de um dia remontando todos os pedaços de outro qualquer que passei junto de você.

Lembro perfeitamente daquela noite, por exemplo, de quando passamos pelo Elevado do Joá, na volta da festa no cume de um morro de Guaratiba. Você me pediu para parar o carro, ali em cima, só para ver o sol nascer. Perguntei com um sorriso se você havia enlouquecido, e você respondeu com todo o seu rosto, com todo seu corpo que sim, que estava louca, completamente insana.

O sol meio alaranjado saía de dentro do mar, o céu ainda um pouco escuro, e eu abraçado na sua cintura em cima daquela ponte, como que flutuando sobre as ondas que ressonavam nas pedras. Com a cabeça no seu ombro direito, senti o seu cheiro que se misturava ao da maresia e não pude, nem quis, conter a minha contaminação pela sua insanidade.

Não consigo esquecer também do dia em que você me ligou para conversarmos, dois dias antes do seu aniversário. Fiquei paralisado ao telefone, sentado na minha cama lhe esperando. Antes de você entrar, sabia o que diria. Não pude falar nada porque as palavras não vinham à boca, paravam na garganta. Sentia meus braços dormentes, minha cabeça pesada e nem percebi quando você saiu. Fiquei parado ali o resto da minha vida.

Foram três meses que valeram por toda a minha vida. Três meses que me forneceram combustível suficiente para prosseguir. Bendita a hora que você quis dar um tempo com o seu marido. Porém, deveria supor que não seria eterno.

Não, não me arrependo, não arredo pé em nenhum centímetro do que fiz, das atitudes que tomei, de tudo o que aconteceu. Se pudesse, as faria quinze vezes seguidas. Se algum tipo de deus me propusesse mais uma única noite com você, e outras tantas de desgosto, eu aceitava, eu aceitava e não tenho dúvida que eu aceitava.

Desde muito novo, sonhava com alguém igual a você. No dia que a conheci, quando peguei aquela taça de vinho e você estava ao meu lado e começamos a conversar, porque você começou a conversar comigo, porque eu havia pego a última taça do vinho tinto, e você o preferia ao branco, realmente me belisquei, como num filme de comédia.

Em seguida fui me olhar no espelho e fiquei ali parado, querendo penetrar em meus olhos, descobrir o que ou quem estava por detrás deles. Afirmei para mim que quando voltasse, você não estaria ali. Mas, para a minha sorte e incredulidade, você ainda me esperava.
Ficamos num canto. A festa ocorria em algum lugar longe dali e eu me embebedava de cada palavra, de cada gesto, de cada detalhe seu. Discutimos sobre nossas vontades, nossos desejos, nossos ídolos. Falamos sobre os nossos álbuns preferidos dos Beatles, o meu Revólver, o seu Sgt. Pepper´s. Comentei sem pretensão sobre Borges, e você disse que também o venerava. Fiquei algum tempo atônito por isso, sem compreender o que de fato você tinha dito, porque ninguém nem conhece o argentino. Então percebi, nossos gostos eram similares, você se parecia comigo.

Larguei o meu carro na festa e voltei com você de carona. Entramos na sua garagem e eu, idiota e infantil como sempre fui, tentei lhe roubar um beijo. Você colocou o indicador nos meus lábios, como que pedindo silêncio, e eu me envergonhei. Pedi desculpas, mas você, sempre você, minha perfeita Joana, respondeu sorrindo que não havia problema.

Ah, Joana, minha linda e maravilhosa Joana. Saí da sua casa e fui andar no outro lado da rua, na praia de Botafogo, louco para que minha vida acabasse naquele momento. Tinha completa noção do ápice a que tinha atingido. Me ajoelhei na areia, na beira da água, com aqueles dois morros na minha frente e os barcos dentro da baía, fechei meus olhos para lembrar de você, da sua silhueta, do seu perfume, da sua pele, dos seus olhos e para guardá-la na eternidade dentro de mim...

Nesses últimos cinco anos, pensei muito em nós dois. Imaginei situações que não aconteceram, vivi com você, e, mesmo que não soubesse, a namorava. Não há como negar que você é a única mulher que eu conheci e que vou conhecer.

Não a culpo por ter ido embora. Sei que, se houve algum culpado, esse sou eu. Eu que já sonhava com você mesmo antes da primeira vez que nos vimos. Eu que a idealizava, eu que já a conhecia.

Eu lhe criei e você se encaixou a imagem e semelhança. A minha imagem e semelhança. No fundo, no fundo, você era eu. Você tinha os gestos que eu esperava que você tivesse. Se eu era destro, você era canhota, se aparecia uma pequena marca no lado direito do meu rosto, você a tinha do lado esquerdo. Eu sou você quando me olho no espelho.

Nós somos opostos complementares. Por isso, perfeitos. E não pode haver perfeição neste mundo. Descobri isso nos últimos cinco anos. Nós destoamos, brilhamos de outra maneira, temos outro perfil.

Esse é o motivo. Então, não se culpe nem por um instante. Não tem a ver com você. Eu é que não posso viver num mundo onde não se aceita a perfeição.

Queria apenas me despedir de você, de mim mesmo, de nós dois. Queria só dizer pela última vez o que você é para mim. Não estou triste porque sei que se houve algum momento em que estivemos juntos, ele já existiu para sempre. Sei que vivemos a eternidade e vamos vivê-la juntos novamente. Eu sei disso.

Um beijo como todos aqueles que você sonhou e se realizaram ou não.

Adeus,

r.

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