segunda-feira, 19 de maio de 2003

Cronistas.

Definir o que é Literatura é excepcionalmente complicado no tal ‘hoje em dia’. Nesses tempos onde os limites ficaram embaçados e não podemos afirmar sem medo do erro onde começa a produção literária e acaba o emaranhado de palavras, umas atrás das outras, sem nenhum valor artístico.

Porém, para surpresa geral, essas definições nunca foram unanimidades. No caso específico da Literatura, para usar um exemplo mais a mão, existe até um ser que é o maior motivo de briga entre duas das facções que sobrevivem de escrever: o cronista.

Desde os tempos mais remotos do jornalismo, esse sujeito existiu, para alegria e/ou desespero de jornalistas e escritores. E existem tantas e tamanhas diferenças entre eles – os cronistas – e elas – as crônicas – que fica difícil enquadra-los num mesmo saco.

Existem aqueles que usam o espaço que o jornal lhes dá para mostrar informações privilegiadas do cenário nacional, mostram pontos-de-vista contraditórios, que marcham contra a maré e etc. Também é confundido, e conhecido, como Articulista.

Outros falam sobre a cidade que os envolve. Falam de cenas insólitas, mas cotidianas, ou versam pela poesia, mas em prosa. Há ainda aqueles que escrevem contos, egotrips, e outros tipos de narração. Definitivamente não há regra que enquadre os cronistas.

Alguns, ou algumas, são mais próximas de jornalistas, enquanto outros poderiam sobreviver só de ficção, se isso fosse possível nesse país. Porém, no fundo, no fundo, acredito mesmo numa mescla entre esses dois seres tão díspares e tão sinônimos.

A capacidade de concisão de um jornalista é quase indispensável para quem quer passar uma informação – mesmo que irrelevante – num espaço pré-determinado. Dentro dos jornais, o cronista só tem aquele espaço e mais nada. De outra forma, deve escrever a crônica em partes, o que pode torna-la quase um folhetim.

Porém, mesmo aqueles mais preocupados com fatos jornalísticos têm a possibilidade de ignorar completamente as regras impostas pelos manuais de redação. Onde diz lead, proibido o uso da primeira pessoa, imparcialidade, essas coisas, ele desfruta de uma liberdade incomparavelmente maior.

A crônica é um híbrido. Que já produziu – ou foi produzido por – gente do quilate de um João do Rio, Rubem Braga, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Antônio Maria, Vinícius de Morais e outros. E ainda rende frutos com Luiz Fernando Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro, Élio Gaspari, Clovis Rossi, Carlos Heitor Cony, Millôr Fernandes, Joaquim Ferreira dos Santos, Fritz Utzeri, Arthur Dapieve, Arnaldo Jabor, Walter Salles, Eliana Catanhêda, e muitos outros que, obviamente, esqueci.

Talvez, por uma questão de definição, poderíamos supor que aqueles textos que sobrevivem a temporalidade, independentes de serem mais jornalísticos ou inventivos, são obras de literatura. Ou, podemos sugerir que aqueles que apresentam estilo próprio produzem literatura. São apenas critérios que se movem para melhor adaptar a quem necessita disso.

O mais correto, acredito, é exatamente ignorar as definições duras e ranzinzas que impedem que algo – ou alguém – faça parte de duas categorias ao mesmo tempo. Principalmente quando essas categorias não são antagônicas e utilizam as mesmas ferramentas. Palavras.

Ps. E eu que queria apenas falar sobre um livro do Antônio Maria que li e reli nas últimas semanas...

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