quarta-feira, 13 de agosto de 2003

parque

Não é novidade para ninguém que eu sou péssimo para dar presentes. Principalmente para as pessoas que são mais próximas a mim, as que eu mais gosto. Acho que por mais que as conheça, sempre ignoro exatamente esse pedaço da personalidade que diz o que elas mais desejariam ganhar. Muitas vezes dou presentes que eu gostaria de ganhar, sem nem ao menos me dar conta disso, e sou eu o maior beneficiário do gesto. O que já me fez passar por bocados nada bons. Por isso, adotei um estilo nem um pouco romântico, que pode e deve ser desaprovado por todo mundo: eu pergunto para a pessoa o que ela quer ganhar. É claro que muitas vezes a resposta é o tradicional “não precisa”, mas com um pouco de insistência, consigo atingir o cerne da questão.

Foi assim que a uma semana do aniversário de minha namorada, perguntei para ela o que gostaria de receber. Adrianinha, a menina mais linda do mundo, a mais delicada, o rosto quadrado, exótico, de apresentadora de telejornal, o corpo pequeno, os olhos firmes, simpática de dar inveja, ficou em silêncio. Não era o jeito dela, ela que conversa com qualquer um na rua, que me causa transtorno em boates e shows por dar trela para todo homem que vinha puxar papo com ela, aquietou-se, me deu as costas e saiu de perto de mim.

Estávamos na minha casa e era logo depois do café da manhã. Ela tinha dormido aqui e eu estava preparando uns sanduíches e o leite para ela tomar. Quando já estava na cozinha, ela me aparece e senta à mesa. Tomamos o café rindo e ela se ofereceu para lavar a louça. Numa dessas viagens da pia para a mesa, eu fiz a pergunta sobre o aniversário dela. Ela se voltou para a pia, não me respondeu nem voltou para buscar os copos que ainda estavam sobre a mesa.

Era o primeiro aniversário dela que passaríamos juntos. A conhecia há tempos, mas, juntos, namorando, era a primeira vez. Levantei-me e me aproximei dela. Entrelacei meus braços pela sua cintura e dei um pequeno beijo no pescoço dela. “O que foi?”; Ela abaixou as mãos cheias de espuma de detergente e a cabeça acompanhou. Me afastei um pouco e ela se virou. Estava com os olhos cheios de lágrimas. Me aproximei para segurar seu rosto, “O que aconteceu?”, “Me leva para um parque de diversões”, ela me respondeu. Sorri, sorrimos, eu a achando cada vez mais linda, ela sem jeito.

“Quando eu fiz cinco anos de idade, pedi para o meu pai irmos para um parque de diversões perto de casa”, Adriana começou a contar com a voz embargada de choro preso. “Meu pai, que sempre foi contrário a sair de casa para qualquer coisa, mesmo que fosse aniversário, dia santo ou qualquer coisa parecida, desconversou e não me levou”, ela virada para mim, com a cabeça baixa, olhando ora para mim ora para o chão. “Fiquei completamente decepcionada. Aquela idéia de ir ao parque não me saía da cabeça, toda vez que via a propaganda do Tivoli Parque na televisão, meus olhos se enchiam de lágrimas e eu ia, chorando, para a cozinha pedir minha mãe para irmos. Ela sempre dizia para que eu tivesse paciência, que um dia, iria me levar. O problema é que minha mãe teve que fazer uma operação nesse ano, nada demais, nem lembro o que ela tinha, mas que a impediu de sair de casa durante um bom tempo. Nesse meio tempo, ela insistia muito com o meu pai para que ele me levasse. Chegava a fazer chantagens do tipo ‘não vou mais cozinhar para você’ e meu pai não cedia.

“No dia das crianças, foi um pouco diferente. Meu pai se aproximou já com uma boneca na mão e me entregou. Eu coloquei o brinquedo de lado e perguntei se eu poderia recusar a boneca para ir ao parque de diversões. Meu pai, como era do feitio dele, saiu de perto para não ter que responder. Lembro que fiquei chorando o dia inteiro. Umas meninas que moravam na minha rua vieram me chamar para brincar, para mostrar os brinquedos novos delas, sei lá para que, e eu não queria sair do meu quarto. Minha mãe dormiu comigo nesse dia porque ficou assustada. Eu não parava de chorar”.

Adrianinha ainda estava encostada na pia da cozinha e eu já me apoiava na parede em frente. Percebi uma lágrima sozinha descendo pelo seu rosto. Ela continuou.

“No natal a mesma coisa, eu enviei uma carta para o papai Noel pedindo que ele me levasse no trenó para um parque de diversões. Quando abri o meu presente” ela deu uma fungada e engrossou um pouco o tom da voz, “eu nem me lembro qual presente era”, desceu novamente de tom, “e descobri que ele não me levaria para o parque de diversões, me senti novamente decepcionada.

“Já estava se transformando num negócio sério e minha mãe prometeu para mim que nem que ela me levasse a pé, nós iríamos para o parque no meu aniversário. Até meu pai amoleceu e disse que não havia problema, que íamos todos para o parque no meu aniversário.

“Acho que nunca esperei o meu aniversário com tanta vontade, com tanta ansiedade. Queria o meu aniversário mais que tudo. Todos os meus amiguinhos da escola já tinham ido para o parque e quando eles comentavam sobre eu saía de perto. Tinha uma certa vergonha por nunca ter ido a nenhum.

“Na noite anterior ao meu aniversário, eu mal dormi. Fiquei rezando para o meu anjo da guarda para que ele me protegesse até o dia seguinte e que nada acontecesse comigo antes de eu ir para o parque. Fui a primeira a ficar pronta lá em casa. Ajudei o meu pai e a minha mãe a se arrumarem e quando entramos no carro, um corcel bege velho que meu pai tinha, eu fiquei na janela do lado direito para poder ver tudo o que passava. Não queria deixar passar nada longe dos meus olhos nesse dia que era o mais importante para mim.

“Meu pai decidiu que deveríamos ir para um parque que estava montado na Praça Onze, porque era o melhor do Rio na época, e fomos para lá. Depois de termos andado por alguns minutos, comecei a escutar alguns cochichos do meu pai para a minha mãe. Algo como ‘e agora?’’, ‘o que vamos fazer?’. Eu era pequena, tinha apenas sete anos, mas sabia que alguma coisa não estava correta. Minha mãe, percebendo a minha cara de preocupação, resolveu falar comigo.

Adriana deu um suspiro longo, para tomar ar e na hora de expirar, senti sua respiração tremular, “O parque tinha ido embora”. Ficou alguns segundos em silêncio. Não tinha mais nada para contar, se virou para a pia novamente e continuou a lavar as louças. Escutava-a fungando e me sentindo incapaz de mudar aquela situação. A abracei novamente pelas costas e disse bem baixinho perto do seu ouvido, “Larga toda essa louça que nós vamos agora para o parque”. Só lembro dela ter se virado sorrindo e me dado um beijo.

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