sexta-feira, 14 de novembro de 2003

triálogos

- E não é que o Rafael voltou com a Elisa?

Dois amigos que dividem apartamento sentados na areia da praia, um segurando os joelhos, outro observando o passeio de meninas cada vez mais novas, conversam. O da direita, Téo, anda ríspido ultimamente. Não agüenta mais a vida que o da esquerda, Gera, leva. Este acorda todos os dias e abandona o corpo na frente da tevê. Só se permite levantar quando é hora da faculdade, ou para fazer algo pouco produtivo. Téo trabalha desde moleque, nunca conseguiu parar, “eu me tornaria um inútil”, ele pensa. Gera diz que se ralar, assim, desse jeito, só quando acabar a faculdade.

- O Rafael não tem jeito.

Téo acorda cedo e sempre dá de cara com as cuecas de Gera pela sala. Um dia, achou uma meia no lustre. Gera se alimenta de fast-food diariamente, o outro é vegetariano. Téo se levanta uma hora antes do necessário para chegar no trabalho, toma um banho rápido, mas frio porque “faz bem”, se arruma com aprumo, roupas de marca, camisas de botão, calças de prega e vai para a empresa. Gera demora horas no banho fervente, afirma que é a melhor hora para ficar sozinho consigo mesmo, pega roupas aleatórias, amassadas, as coloca sobre o corpo e sai para qualquer que seja o programa.

- E não adianta contar para ele que a Elisa não gosta dele.

Gera tem uma namorada que praticamente mora com os dois. Mônica é o nome dela. Téo é sozinho. Anda com várias meninas, mas nunca ficou com uma por muito tempo. Téo implica com Mônica porque ela encobre as “qualidades” de Gera. Quando ele deixou de pagar a conta de luz por dois meses, e a cortaram, Mônica disse que não tinha problema, que luz de velas era mais romântico. Téo ficou semanas sem falar com ela. Gera demorou ainda uma quinzena para pedir para religar.

- Lembra da última vez. A Elisa brigou com o Rafael e voltou com o ex-namorado. O Rafael ficou na merda completa. Depois de um mês, eu acho, ela brigou com esse ex-namorado e voltou com o Rafael.

Os dois foram morar juntos porque, na época, eram os melhores amigos. Vinham de uma cidade no interior, começavam na faculdade e as famílias se propuseram a bancar um apartamento para ambos. Assim que aportaram na capital, Téo foi em shoppings com sua pequena história debaixo do braço e conseguiu, depois de bastante andança, trabalho de balconista. Gera nunca se importou com isso. Diz que o pai se sente satisfeito em bancar seus estudos e acha isso o suficiente.

- Eu lembro que o Rafael ficou mal para cacete. Essa mulher também é foda. Só gosta de sacanear com o Careca. Ela usa ele.

Gera faz administração, Téo publicidade. Téo gosta de praia, Gera da vida noturna. Téo fez natação, judô, basquete. Gera entrou para o jiu-jitsu porque todo mundo fazia, mas nunca treinou direito. Os dois saíam juntos todas às vezes. Era Téo que segurava a onda de Gera nas brigas que este arranjava. A irmã de Gera foi a primeira namorada de Téo, fumaram o primeiro baseado juntos, ambos freqüentam o cinema, gostam de quadrinhos e rock. Foi de Téo a idéia de irem à praia.

- Pois é. A Elisa não presta.

Téo pensa seriamente em procurar outra casa. Só que sente um certo vínculo com Gera, acha que se ele sair de lá, o amigo não conseguirá sobreviver muito tempo no apartamento. Téo já meteu o dedo na cara de Gera inúmeras vezes, mas Gera sempre pergunta que é o Téo para lhe dar lição de moral. Téo acha que Gera está desperdiçando um talento, ele acha que o amigo é criativo - os dois brincam de fazer roteiros para clipes imaginários - poderia estar se arranjando dentro de alguma empresa, ganhando dinheiro. Gera nunca parou para pensar sobre Téo. Para falar a verdade, Gera raramente reflete sobre assuntos sérios, somente quando alguém o pergunta diretamente.

- E nem adianta falar com o Rafael.
- Nem adianta.

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