sexta-feira, 30 de janeiro de 2004

Cotidiano carioca.

Apesar de viver cem por cento da minha vida na cidade do Rio de Janeiro e ligeiras redondezas (já que nasci em Nova Iguaçu e vivi até antes da faculdade lá), nunca fui assaltado. Não da maneira tradicional, com armas apontadas, homens mal-encarados e nervosos. Já tive objetos meus furtados - uns dois relógios - e outros que sumiram, sem deixar qualquer vestígio, não exatamente foram roubados ou semelhantes verbos. Não posso dar o crédito para pickpockets assim.

O que isso tudo quer dizer é que nunca senti o problema da violência de maneira direta. Apesar de ter presenciado de maneira muito direta situações de terror, coisas abomináveis, que parariam qualquer outro país, nunca me senti amendrontado pela tal "Escalada da violência".

Entretanto, quando tenho notícias do Brasil, sempre há um detalhe ligado diretamente a esse problema. Parece que é exatamente o que pauta a vida das pessoas, dos cidadãos cariocas, na atualidade.

Conversando com um amigo meu, pedi de brincadeira novidades brasileiras. Depois de muito insistir ele me respondeu que um colega de trabalho dele, conhecido meu, tinha sido assaltado - levaram o carro dele - e espancado. Perdera quatro dentes. Outro dia, minha irmã - a que mora no Brasil - me contou que quando trafegava pela Linha Amarela com muito medo, mas por ser a via mais simples e prática de ligar a Barra ao centro da cidade, ela teve que dar ré porque escutou um tiroteio logo na sua frente. Todas as pessoas na estrada voltavam numa estrada (que teria de ser) de alta velocidade. Ela me aconselhou a pensar direito sobre a minha real necessidade de voltar para o Brasil, pois "o negócio está feio", segunda suas palavras.

Aproveitando meus últimos instantes de internet liberada (melodramático, eu?), caí no Nominimo, uma espécie de - talvez melhor que a - Salon.com nacional. E li, não pude deixar de ler, a matéria do Xico Vargas, sobre a disputa entre quadrilhas de traficantes que acontece na Rocinha. Como se fosse um correspondente de guerra, porém sem tomar partido de nenhuma das duas gangs, Xico destrincha os motivos que desencadearam essa disputa, e comenta as personalidades dos "generais" de ambos os lados.

'Peraí. Nós não estamos falando do Kosovo, do Iraque ou de qualquer outro país distante. Estamos falando da Rocinha, um aglomerado de mais de 250 mil pessoas ali, encravado no meio de São Conrado, num dos endereços mais caros do Brasil e da América Latina.

Como as pessoas, como nós, cidadãos dessa cidade chamada maravilhosa não nos revoltamos contra isso? Nova Iorque, por muito menos, autorizou a história do Tolerância Zero. (Não sou contra nem a favor, claro deixo).

Ruy Castro no seu "Carnaval no Fogo" argumenta duas coisas:

Uma que o carioca estaria acostumado a conviver com esse tipo de violência. Segundo o escritor - mineiro, mas carioquíssimo - desde sempre o Rio vive inseguro. Mas, argumentarão aqueles que viveram outras épocas, parecia mais tranqüilo. Na superfície realmente deveria ser... Mas e nas periferias? O "Cidade de Deus" está aí para demonstrar que não é de hoje que as comunidades pobres sofrem dessa maneira.

O outro argumento de Castro é um revigoramento do clichê que o carioca leva tudo na boa. Ele apresenta, logo de cara, no início do primeiro capítulo, a história do carnaval de 2003, onde, há apenas algumas semanas, houve uma onda de violência tão grande que cogitaram adiar, ou pelo menos modificar as estruturas da maior "festa" carioca. Óbvio que isso não aconteceu, e o carnaval rolou exatamente como em todos os anos.

Bem que eu gostaria de desmentir essas argumentações, ou acreditar que bastaria reverter essas polaridades - desacostumar e irritar o carioca - que a violência diminuiria. É bem provável, porém, que se eu não estivesse aqui, no frio e seguro território buffalonense, não tivesse nem reparado nesses "detalhes" da biografia carioca. Talvez não fosse visível para mim, talvez não me incomodassem, talvez tivesse outras coisas para pensar, talvez todas essas notícias não fossem novidades.

para quem quiser ver a matéria do Xico Vargas:

http://nominimo.ibest.com.br/notitia2/newstorm.notitia.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=13&textCode=10328&date=currentDate


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