quarta-feira, 31 de março de 2004

Mentira

Aquela noite como um todo (fico pensando como pode ter sido apenas uma, já que eu me lembro tão bem dela especificamente? O que me aparece como justificativa, agora, é que tudo o que ocorreu foi uma espécie de profecia irônica) está borrada na minha memória pessoal, ao ponto de só a vislumbrar ante um halo redondo e embaçado de mercúrio.

Sabe que confessar isso não é tarefa simples para mim. Pinço as palavras para eufemizar todo o relato e fazer com que toda a cena principal, que é infinitamente subentendida antes mesmo de eu começar a escrever, pareça o mais inevitável possível, que aconteceria com qualquer um, no meu lugar. Apesar de saber que alguns de vocês não vão acreditar em mim, ou pelo menos nessa versão da história, tentarei ser imparcial - donde posso resvalar na utopia.

A mea-culpa parece óbvia. Imaginam que, mais uma vez, tomei atitudes irresponsáveis, por não ter medido o tamanho das conseqüências antes da ação. Uso como argumento de defesa - nesse tribunal que se instalou na cabeça de cada um - a minha falta de intenção em causar qualquer tipo de mágoa nas pessoas. Se pode ser visto como atenuante, afirmo que não me inclinava, em meus gestos, a isso e que tudo por conseguinte foi fruto de minha inocência, no sentido de falta de maturidade, ou malandragem, para usar uma imagem comum.

Pior fica se alguns fizerem as contas e perceberem que naquela época estava eu com alguém a quem me referia como namorada. Naquele dia, porém, tomamos caminhos distintos e só mantive contato com ela na noite, quando ela me ligou e tentei fingir sobriedade. Foi o momento único.

Lembro que a encontrei (a origem desse tripé) e alguns devem se lembrar dela num aniversário de um amigo nosso em comum. Não digo o nome porque seria entrega em domicílio, informação essa que quero manter reservada. Ela estava escondida da vista de todos, lembro que parecia sumir diante da minha incapacidade de perceber o óbvio. Quando retornei para o meu corpo em pé estava ao lado dela surpreendi-me. As vírgulas me somem nesse momento. Como cheguei ali: é melhor perguntar para as latas amassadas deixadas pelos cantos.

O resto é deduzível.

Agora vivo aqui, na distância, amargurado, sem saber se a mentira existe ou se é descendente apenas da ficção. Sem saber o que ou quem encontrarei quando adentrar o internacional no Rio. Talvez seja apenas a minha culpa que me persegue para cobrar a sua gorjeta. Talvez seja apenas a verdade, que bate a porta, que tarda e raramente falha.

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