quinta-feira, 27 de maio de 2004

Massive Attack

O show do dito-cujo fez com que as minhas perceções sensorias se modificassem, sem que, para isso, fosse necessário qualquer tipo de enebriante. A primeira lembrança que me vem na cabeça é de unhas vermelhas que pertenciam a uma mão feminina que acariciava as costas de outra menina. Isso foi assim que abriram as cortinas. O vermelho era tão intenso que ofuscava qualquer outra coisa ao redor. Lembro que antes, logo antes, alguns centésimos antes, fiquei impressionado com os cinco pedestais de microfone que estava no palco. Estava apreensivo porque haviam me dito que no show anterior deles aqui no Brasil, algumas de suas músicas tinham sido interpretadas por outra pessoa que não o cantor do cd (ou pelo menos uma voz que fosse correspondente). E se vc é uma das pessoas que já ouviram uma música sequer do Massive Attack, vc sabe que Unfinished Simpathy (o hit), cantada por um homem branco não rola (aliás, essa foi a penúltima música do bis e o show já estava completamente ganho. Todo mundo pulava ao menor som do baixo, e nessa, com a voz absurdamente forte de uma negona à Shara Nelson, foi covardia).

Aliás, sobre essa primeira apresentação do M.A. em terras brasileiras, vc pode pesquisar, as críticas foram monocórdicas. A banda de Bristol teve a infelicidade de tocar logo após de uma das apresentações históricas do Kraftwerk. Ou seja, todo mundo estava cansado, com a expectativa altíssima e sem muita paciência. Lúcio Ribeiro escreveu que nem se o Beatles ressucitassem e tocassem após a banda alemã teria tido algum tipo de resultado mais animador.

Agora, antes do show principal, escalaram um dupla de djs que tinham como único intuito aquecer o povo até que o M.A. entrasse palco adentro. (pausa para dizer que toca agora no computador Future Proof, a última música do bis, público em polvorosa, pulando ao som do grave que ensurdece no final.) Os dois, honestamente, fizeram um set espelhado nos medalhões que viriam a tocar depois. Não que utilizassem as próprias músicas deles, mas o clima era o mesmo. Bem legal.

O início do show foi chocho, para usar um figura ou um vício de linguagem. Morno pacas. tocaram as mais calmas do Blue Lines e Mezzanine (todo o show foi calcado nesses dois álbuns, mais "populares"), e outras de Protection e A 100th window. E estava tão vazio que havia duas pessoas na minhas frente, sendo que eu não tinha feito nenhum esforço para estar onde estava. Apenas andei calmamente até lá e em nenhum momento recebi um cotovelaço ou me empurraram.

Teardrop, música mais conhecida do Mezzanine, foi a responsável por levantar o povo. Interpretada por um loirinha do estilo "frágil", com voz doce, cabelo curto e rosto extremamente delicado, seu visual chamou bastante a atenção, mas não pode competir com a música que é sensacional. Daí para frente, foi só coisa boa.

Acredito que o problema inicial foi ocasionado pelo som que estava baixo. Reparei em dois momentos a lourinha e o baixista - um negão meio barrigudo que tocou absurdos - pedindo para aumentar o volume do baixo.

O outro figura que dividia o microfone com "3D" e "Daddy G" (a formação atual do M.A.) seria um típico pai-preto velho modernex, se ele morasse no Brasil e se isso fosse possível. Com dread-locks, um prendendor de cabelo para a franja e a barba branca grande, cantou alguns dos clássicos como "Man next door" do quarto álbum da banda. Mas o melhor era a sua dancinha, acompanhando o ritmo. Beirava o ridículo, mas era engraçado.

Eles nem tentaram tocar as músicas que Sinead O'Connor gravou no a 100th window. Não acho que seria fácil achar uma voz que lembrasse a da irlandesa. Decisão sábia, inclusive. Preferiram não descaracterizar a música e, talvez, não precisassem delas. O show foi de bater palmas a cada música, grave, bem tocado, alto. As vozes pareciam tanto com o cd que me perguntei em alguns momentos se não era play-back. Mas isso tudo, do meio para o final, deixemos claro.

E a melhor música, cantada pela Shara Nelson cover, foi, sem sombra de dúvida, Safe From Harm. A mulher duelando com 3D, dançante, animada, baixo poderoso.

O show me lembrou algo que nunca conheci: uma daquelas bandas de soul / funk da década de 70, com vários sujeitos nos sopros, uns três crooners e muita música que mexe, sacode. Essa definição foi dada ao show do Roni Size no último free jazz, por um amigo meu DJ, mas acho que é melhor aplicada nesse caso. Guitarras suingadas, baixo pesado, vários vocalistas. Essa é a nossa black music atual. Claro, a parte boa dela.

Nenhum comentário: