sexta-feira, 25 de junho de 2004

A crônica esportiva na era da tecnologia
(não, esse título não se refere a nenhuma monografia)

Estava on-line ontem com meu amigo Torcedor do Campo Grande, e na tela da TV passava o jogo pelas quartas-de-final da Eurocopa 2004: Portugal x Inglaterra. Para mim, nenhum atrativo. Mesmo que no banco português estivesse sentado o - provável - maior responsável pela nossa vitória na copa de 2002. Continuei fazendo o que fazia, ou seja, quase nada. A Inglaterra vencia, um a zero, desde os três minutos do primeiro tempo, logo nada que fosse exatamente uma assombração.

O que saiu do planejado foi o gol português aos 38 do segundo tempo. Estava no meu trabalho, televisão ligada, e nesse momento, as cadeiras da redação ficaram vazias porque todo mundo se levantou e ficou de frente para a tv. Eu não tinha mais o porquê de disfarçar com pudores, poderia simplesmente apoiar-me numa divisória e assistir tranqüilamente ao final do jogo. Do jeito que Portugal estava pressionando, não era difícil conseguir fazer um gol ainda no tempo regulamentar.

Nesse momento escrevi uma mensagem instantânea para o Campusca perguntando-lhe se havia reparado que Portugal havia feito o gol aos 38. E nada de resposta. O segundo tempo acabou e só então - já quase na prorrogação - recebo uma resposta dele: "Demorei porque estava, também, assistindo ao jogo". Percebi que o jogo virara uma comoção nacional aqui também.

Todo mundo torcia descaradamente por Portugal. A cada imagem de Luiz Felipe Scolari no banco de reservas português era correspondido por um grito de incentivo do sujeito ao meu lado, e de outro no outro lado do ICQ.

Começa a prorrogação, o Campusca se despede e avisa que verá o jogo levantado porque não consegue se conter. E nesse tempo de acréscimo só deu Portugal. Digitei para o meu camarada: "Dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe, ê-ô, ê-ô, ê-ô, Portuga...". Só Portugal pressionava, e pude escutar do sujeito atrás de mim: "Esse jogo tá com cara que, num contra-ataque, a Inglaterra irá fazer um gol", "Vira essa boca para lá", respondi-lhe rispidamente, sem nunca ter trocado um olá com ele. Coisas do futebol.

Acaba o primeiro tempo e o Campusca me responde: "Cara, esse jogo tá foda". E estava mesmo. O segundo tempo começa da mesma forma que o primeiro terminou, Portugal atacando e o "English Team" se defendendo. Até que Portugal faz um gol, no meio do segundo tempo da prorrogação. "Portugal, Portugal, Portugal", escrevia-gritava eu.

As regras novas sobre o gol de ouro dizem que o time deve manter o placar na vantagem até o final do tempo em que está jogando a prorrogação. E, logo após ter passado mais de 90 minutos somente se defendendo, como que por acaso, a Inglaterra começa a atacar.

Cinco minutos para acabar a prorrogação, eu já comemorando Portugal na semifinal, três minutos para terminar e a Inglaterra faz o gol de empate. Agora, só restavam os pênaltis.

A tv mostra novamente Felipão e eu sinto uma ponta de inveja do time deles por estar sendo treinado por um sujeito tão humano, explosivo, conhecedor da arte futebolística, turrão e, acima de tudo, sortudo. Não tinha como não estar torcendo para o time do Scolari.

O time da Inglaterra coloca o seu mais caro craque para bater o primeiro penalti, David Beckham. Antes dele colocar a bola na marca, a tv mostra Eusébio, craque moçambicano que jogou a copa de 66, em Portugal, pelo time da casa. Escrevi: "Eusébio parece, já ganhamos". E o sir Victoria Spice Girl perdeu o penalti. Comoção em todos os lugares. Meu vizinho de baia comenta: "pior que o Baggio em 94". E foi realmente.

Agora, já tínhamos a vantagem, bastava administrar a vantagem para que vencêssemos. Mas, não poderia ser, assim, tão simples. Rui Costa, o craque do time, que havia feito o gol da prorrogação, me perde o seu penalti. "Filho-da-puta, corno e safado", escrevi para o Campusca.

Já não tínhamos mais vantagem nenhuma, começa a cobrança dos extras. Aparece novamente Eusébio na Tv, "Eusébio novamente, já ganhamos", escrevo, aparece o goleiro de Portugal, sem as luvas, (o Campusca me contou depois: "Nunca vi isso na minha vida, um goleiro tirar as luvas"). Vassel, o inglês, bate bem, colocado, forte e no canto esquerdo do gol, mas o goleiro Ricardo (descubro seu nome depois) está lá para rebater. "Portugal, PORTUGAL".

Basta que quem quer que seja confirme o gol. Ao meu lado, várias pessoas paradas, apreensivas, loucas para saber quem é que irá cobrar o pênalti. Penso: "não deve ser assim, tão difícil, fazer um gol de pênalti". Mas naquela hora, daquele jeito, já duvidava de qualquer coisa. E Ricardo, o homem do jogo àquele momento, é escalado para bater a última e decisiva penalidade. Sem luvas, camisa de goleiro, mãos na cintura. É autorizado, aproxima-se da bola e estufa a rede. "PORTUGAL ESTÁ NAS SEMIFINAIS", estampo para o Campusca.

Novamente a tv mostra Felipão: está com as bandeiras do Brasil e de Portugal. Sinto novamente a inveja dos portugueses. Felipão havia prometido a semi-final. Conseguiu. Agora só pára, se parar, na final. Que venham os franceses.

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