domingo, 18 de julho de 2004

Agora vai
 
A trama
 
Não sabemos do passado do protagonista: é da Venezuela, um fugitivo, foi condenado à prisão perpétua (não se diz o motivo), passou pela Índia recentemente e ponto. Sabemos que tem uma erudição, capaz de citar alguns autores latinos de cabeça (errado, mas cita), que acha importante escrever para deixar uma espécie de testamento e que exerce esse hábito diariamente.
 
Esse protagonista sem nome está numa ilha deserta, e, sem nenhuma explicação, começa a aparecer outros personagens nesse lugar pouco aprazível. Ele também não entende muito bem de onde eles vieram, já que não houve um barco, para transportá-los.
 
A curiosidade sobre os novos habitantes, a paixão por Justine, umas das aparições que o faz lembrar de uma cigana, sempre com um lenço nos cabelos, e o medo de ser apanhado, move toda a história. Qualquer outra informação sobre esse livro pode atrapalhar e muito quem se empolgar. Fiquemos por aqui.
 
O blablabla
 
No início, Bioy Casares explica como é o cotidiano desse protagonista, quase caindo no "erro" de ser extremamente realista. Sua intenção, provavelmente, era fazer crer um ser tão sem informações. Mas essas trinta páginas passam rápido e servem como aperitivo do estilo de Bioy Casares.
 
Sempre misterioso. Joga uma informação nova ao léu sem preparar em nenhum momento o espírito. Ficamos nos perguntando como é que um interruptor foi parar numa ilha deserta, até que, no final do parágrafo, ele explica que na ilha tinha uma espécie de gerador de energia elétrica.
 
Tirando esse lado misterioso, que ele segura até o final, lembra bastante Borges. Aliás, JLB gostava muito de apresentar finais surpreendentes (sendo uma referência quando se trata de "estrtutra dos contos modernos"). "A invenção..." (com cento e poucas páginas), por isso, tem a ótima estrutura de um conto. Só que com, ao invés de apresentar apenas duas histórias (a óbvia e a subliminar), há mais camadas para se desvendar neste.
 
O nhemnhemnhem
 
Se parece um texto desinteressante no início, assim que se começa a revelar todos os segredos, é difícil largar. Todos os absurdos têm uma explicação para lá de lógica, sempre fundamentada na realidade (e daí vem a maior diferença estrutural entre os argentinos fantásticos e a fantasia de Gabo).
 
E todas as suas explicações realistas fazem com que pensemos duas, três vezes na nossa forma de encarar a realidade (ao invés de "apenas" nos emocionarmos, como acontece com o colombiano). Aliás, a talvez maior mensagem da história seja exatamente a de que a realidade é somente aquilo em que acreditamos ser como tal (mais uma similaridade entre Borges e ele, já que o "tutor" gosta bastante de citar os nominalistas britânicos - Hume e Berkeley - e Schopenhauer).
 
Bioy Casares propõe uma análise sobre a idéia de Tempo, da Imortalidade, da sobreposição da vontade de um sobre o outro, brinca com conceitos antropológicos... isso tudo numa quase ficção-científica, longe de ser empolada. Meu cachorro (se este existisse e se soubesse ler) poderia ler e se divertir aqui.
 
A conclusão
 
Se existe ponto negativo, este poderia ser, forçando a barra, o início meio lento, quase não engrenando. Alguns mais afoitos, podem desistir nas vinte primeiras páginas.  Depois, as idéias vão sendo puxadas, uma a outra, e tudo se ligando, se entrelaçando, tendo uma explicação lógica, sem problemas de construção. Bioy Casares se dá ao luxo de, ao final, antes de terminar, revisar todo o livro e destrinchar detalhes que achou sem muita explicação. Vc sai do livro achando que entendeu tudo de tudo. E depois se pergunta, será que é assim mesmo?

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