segunda-feira, 12 de julho de 2004

Vinte anos sem

(Quero deixar claro, antes de tudo, que estou com a idéia desse texto desde sexta passada, quando vi um dos filmes que voltaram a credenciar o francês como um dos meus ídolos incontestes. Agora, hoje, segunda, que saiu uma matéria e um texto curto no segundo caderno do O Globo, assinado pelo Cacá Diegues, sobre o dito-cujo me sinto um plagiador. Mesmo assim, continuarei.)

Truffaut foi o cineasta que me surpreendeu em mais oportunidades, mesmo quando eu já fazia uma expectativa enorme. O primeiro que vi dele foi "Jules e Jim", muito em seguida, quase como um viciado procurando a segunda dose, vi "Noite Americana". Quem foi da época das locadoras com apenas esses dois VHS dO sujeito da Novelle Vague, sabe como era desesperador procurar por um terceiro filme dirigido por ele e encontrar no máximo com "A pequena ladra", seu (excepcional) roteiro filmado (por Claude Miller) após sua morte em 84. Para continuar com os trocadilhos infames de drogas, era como ter uma síndrome de abstinência.

Depois vieram quase todos os que eu pude encontrar. Nesse ano - acho que 2002 - foram lançados nos cinemas alguns de seus títulos, mas só me lembro de ter visto dois: "A noiva estava de preto" (aliás, acabei de me lembrar, esse foi o primeiro filme dele que assisti, mas não me causou nenhum furor. Pelo contrário, confesso que dei umas cabeçadas no cinema), e "Os incompreendidos". Por esse, nutro inflacionadas paixões.

O que é bom nele era sua facilidade em traduzir sentimentos tão simplistas (na concepção), mas arrasadores (nos resultados) em todos os seus filmes. E, principalmente, demonstrava um apreço, uma amor mesmo, pelo cinema sem igual. Algo que ele simplesmente não conseguiria viver sem - como exatamente em um vício.

Há algumas cenas que transparecem isso: no seu primeio longa ("Os incompreendidos", que lhe valeu a palma em Cannes de diretor, e que estreiou sua parceria com Jean-Pierre Leaud e seu alter-ego Antoine Doinel, repetidas outras quatro vezes), Truffaut abusa da egotrip e retrata um menino pobre que pratica pequenas incorreções para poder ir ao cinema - dentre outras coisas.

Em "Noite...", o diretor Ferrand (interpretado pelo próprio) sonha com um garoto que no meio da noite se esgueira até o cinema para roubar cartazes de "Cidadão Kane". Nesse mesmo filme, Ferrand recebe uma encomenda de livros escritos por e sobre outros grandes cineastas "para saber como fazer um filme".

"Noite..." é covardia. Não deveria entrar numa categoria de Homenagens ao cinema . Ele é a própria homenagem do cinema a si mesmo, feito metalinguagem. Todos que o assistiram sabem que o cineasta é bastante fiel aos seus princípios de não tentar ser profundo (e vazio) na superfície, para dizer muitos mais do que é mostrado. Aliás essa é uma discussão antiga (Truffaut era um prato cheio para a "patrulha ideológica" de plantão nas décadas de 60 e 70. Nunca fez um filme enganjado. Era o cinema pelo cinema e assim desagradava aos que seguiam o preceito socialista da arte pela mudança social.)

Mas, admito que ele tinha me desagradado numa seqüência de três filmes e estava em falta comigo (como se ele me devesse algo). Achei "Duas inglesas e o continente", uma espécie de cópia pelo avesso de "Jules e Jim"; A "História de Adele H", sobre a filha de Victor Hugo, um pouco dramalhão demais, açucarado demais. E "Fahrenheit 451", simplesmente chato. Esse (de onde Michael Moore tirou o título do seu) é, talvez, o filme mais "sério" de Truffaut. E ainda falado em inglês, língua não entendida pelo (muito) francês. Fora que a "Sereia do Mississipi", com o Jean Paul Belmondo, passou tão longe da minha memória que caí no erro crasso de locar duas vezes o mesmo vhs.

Mas as últimas duas "aquisições" foram excepcionais. "Domicílio Conjugal", (mais uma incursão de Antoine Doinel) e - principalmente - "O Último Metrô", passado na França ocupada pelos nazistas e retrata um outro tipo de triângulo amoroso, fizeram lembrar o que Truffaut representa para mim: uma espécie de cronista, onde parece ser leve, simples demais, mas sempre delicado, suave e, na ausência de adjetivos menos gay, doce. Não há como não gostar dele.

(começo o post com um parênteses, termino com o mesmo. Isso tudo, sem falar no livro excepcional de entrevistas com Alfred Hithcock, no "De repente num domingo", que não deve nada ao mestre do suspense, no "Beijos Roubados", também Doinel, "Atirem no Pianista", homenagem ao thriller e com Charles Aznavour, "O mulher da porta ao lado"...)

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