segunda-feira, 4 de outubro de 2004

Festival do Rio - a primeira semana

Há uns dois anos atrás, li um artigo do Jorge Furtado no Correio Braziliense em que ele admitia da completa incapacidade em ranquear obras de arte, de maneira geral. Era um texto interessante porque ele começava contando que alguns anos antes tinha conversado com seu filho sobre os festivais de cinema. Seu argumento era que as competições cinematográficas eram uma tentativa de comparar elefantes com geladeiras. Melhor ainda se disser que tal crônica era para o especial do jornal sobre o Festival de Brasília de Cinema.

Bem isso tudo para dizer que depois de algum número obscuro de filmes acumulados neste Festival do Rio, desisti de dizer quais são os melhores ou os piores. Apenas direi que todos são válidos. Válido de se ver ou de se manter à distância. Nada de ‘o melhor’, quiçá ‘imperdível’; para tal só usarei argumentos frágeis e um instrumento não muito confiável. Isto, a minha memória.

Vale a pena ver de novo

A Pequena Lili: este francês do Claude Miller (camarada do Truffaut) me impressionou bastante, admito. A história, resumida, pode parecer boba, por isso não o farei. Mas a progressão de toda a trama, com diálogos afiados, personagens inesquecíveis (nunca, jamais olvidarei de Ludivine Sagnier na primeira seqüência deste longa) torna este exemplar bem interessante.

The edukators: é muito mais que o filme da Amélie Poulain da vez. No caso, o ator de ‘Adeus, Lênin’, Daniel Brühl. Até vinte minutos, parece uma história da década de 70. Depois você percebe que não tem a menor idéia do que vai rolar. Mas não é suspense clássico. Tem lição de moral. Desconsidere. É envolvente até o final, sua maior bola dentro.

Whisky: Um dos pouquíssimos filmes uruguaios que foram produzidos nos últimos anos. É pequeno e quase mudo. Retrata perfeitamente a monotonia de um judeu pequeno-empresário cujo irmão mora no Brasil. Rimos da comédia que é a vida privada, com piadas sobre o cotidiano metódico do protagonista. Engraçadinho.

Contra a parede: Comprei o ingresso como segunda-opção, mas este é o filme mais impactante até o momento. Não sei se gostei, nem se desgostei. Tem várias qualidades e uma confusão louca no roteiro. O início parece uma espécie de comédia sobre a relação sexual numa cultura exótica, algo como foi feito com ‘Casamento grego’. No caso, a turca. Entretanto, tinha muito sangue, desde sempre. Era óbvio que o diretor não deixaria passar esta oportunidade e logo em seguida, sem perceber, estamos vendo um dramalhão, quase mexicano. No caso, turco.

Como matei um santo: Um filme da Macedônia. Fiquei com um pé e meio atrás. Mas, aos poucos, este foi se confirmando como um filmão. Como nós somos parecidos com estes macedônios? Rola um tiroteio, os personagens estão dentro do ônibus, qual é a atitude deles? Mudam de assentos como se nada acontecesse. Vivem ao lado de uma guerra e tentam conviver com isso. Bem, alguns deles. Os outros dão título para o longa.

Abraço Partido: É péssimo admitir, mas os argentinos sabem fazer grandes filmes pequenos. Aqui, estamos, sem nos aperceber, numa história de redescoberta das origens. Numa galeria de Buenos Aires com italianos, judeus-polacos, coreanos, peruanos; nosso protagonista é um sujeito comum, um transeunte qualquer. E tem um desejo: ir morar na Europa, terra de seus antepassados. 'Abraço...' é tão legal que até o Batata vai gostar.

A face oculta da Lua: Um protagonista neurótico, extremamente estranho e feio, um diretor umbilical, um roteirista com tiradas inteligentes, e todos são o mesmo cara. Não é do novaiorquino que estamos falando, mas deste cineasta canadense da área francesa, Robert Lepage. O longa? Bem divertido para uma sessão da tarde.

Nem de mais, nem de menos

Céu azul: Animação coreana com a maior quantidade de clichês que já vi. Pior: ao comentar com o Zé sobre o dito-cujo, ele me descreveu outro filme da Coréia com o mesmíssimo mote. Originalidade não deve ser o forte destes moços dos olhos puxados. Fica no meio porque há visuais espetaculares.

Olga Benário: O longa da Alemanha é bem interessantinho. A história é boa, mas, mas... falta alguma coisa. As dramatizações são, digamos, desnecessárias. O diretor disse que só as utilizou em três oportunidades, para dar mais (oh!) drama. Podia dormir sem isso.

Soldados de pedra: Só fica aqui, e não ali embaixo, porque é da mostra sul-africana. O filme me lembrou 'top gun', mesmo não tendo nenhum parentesco com a produção americana. Existe um mineiro bom, outro mal, este luta contra aquele, todos sabemos por quem torcer; o malvado enlouquece, como que justificativa para morrer no final. Enfim, essas coisas.

Garota estratosfera: fui convencido a assistir esta produção alemã (outra), que se passa basicamente num submundo japonês. A trama era sobre uma menina belga que viaja para o outro lado do mundo para, além de ficar com o seu pseudo-namorado, trabalhar de acompanhante (!) num clube só de louras (!!). Um belo argumento, correto? O problema é a quantidade de oportunidades perdidas. O final é risível. Perdeu-se por um excesso de realismo.

Mantenha distância

Há dois filmes que são as coisas mais medonhas do mundo. Não valem nem esmiuçá-los em demasia. Contento-me em citar os nomes: Mods, um francês metido a inteligente que descobri só ontem não ser a produção de estréia de um péssimo cineasta; e Um vazio no coração, uma quase unanimidade. A exceção fica para os masoquistas. São, ambos e as suas maneiras, de uma ruindade extrema. Estes, sim, não tenho receio de dizer, são uma grande e malcheirosa merda.

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