quarta-feira, 15 de dezembro de 2004

Garotos

Quando abri a porta na manhã seguinte, os olhos vermelhos, o corpo com cheiro de outro corpo feminino, e observei a minha mãe deitada no sofá, também acordada, fiquei sem palavras. Tinha 16 anos e não sabia por onde começar a história. Era a primeira vez que passava a noite fora de casa. Não creio ter ainda a maturidade para contar todos os detalhes que houve naquela noite. Faço deste texto um exercício de confissão, pois.

Era uma quarta-feira ordinária, estávamos, eu e minha mãe, deitados, assistindo à TV na sala, sem maiores preocupações. Com 16 anos a vida pode ser resumida em pouquíssimas frases. O telefone tocou e era um amigo meu, Binho, que morava em frente à minha casa, convidando-me para uma festa da mãe da menina que ele tinha um caso - se é que é possível ter algo entre a seriedade do namoro e a liberdade da noite com alguém de menos de 20 anos. Depois de relutar um pouco, ele me convenceu que deveríamos aproveitar o evento. Sem ter como contra-argumentar, já que não era essa a minha intenção, desci em instantes. Avisei a minha mãe que voltaria em breve, e creio que nasceu daí um dos meus defeitos da noite.

O ambiente era um pequeno terraço, sem nenhum tipo de vista, mas que funcionava OK para o tal churrasco. A aniversariante, Cristina, Cris (ela pediu para chamarem-lhe assim) estava visivelmente transtornada. A menina, sua filha, ainda mais nova que eu, se sentia incomodada com isso. Cris era bonita para a idade. Morena de cabelos cacheados e curtos, que não encostavam nos ombros, os olhos eram negros como petróleo e o corpo ainda não demonstrava sinal dos excessos. Lembro-me dela de quando moravam na mesma vila que um tio meu. Como um conservador que sempre foi, ele se referia a ela como "a puta da casa seis", porque não era casada e mudava de namorado com certa freqüência. Agora, ela caminhava de uma lado para o outro, com um copo sempre pela metade, um cigarro aceso entre o indicador e o médio e a pálpebra no meio dos olhos. E atrás dos amigos da filha, cochichando e perguntando em suas orelhas sobre a hipótese deles dormirem na casa dela. Não entendi muito bem o motivo, mas ela me deixou de fora de seus jogos. Também não fiz nenhum esforço para tentar decifrar essa intenção.

Reparei, só então, numa mulher que me pareceu saída diretamente do sul da Itália: pele e cabelos no mesmo tom castanho claro, olhos verdes, quadril tropical, seios ídem. Ao lado da churrasqueira eu estava junto de Binho, perguntei-lhe quem ela era. Ele me observou com um meio sorriso de ironia, como se eu obviamente soubesse quem era aquela mulher de quase 30 anos - mas que era muito melhor que todas as outras que estavam no terraço naquela noite - porque todo mundo sabia quem ela era, mas eu respondi-lhe que nunca a havia avistado. "Madalena", Binho deixa escorregar seu nome vagarosamente ainda com o meio sorriso e continua, "Madalena de Castro".

Toda a informação que cercava este nome me veio à mente. Todos os homens, os meninos falavam dela, possuíam uma história com ela, algo que gostavam de alardear para quem quisesse escutar. Binho me contara que a encontrara numa festa à fantasia e ela, vestida de She-ra, agarrou-o atrás do balcão das bebidas, no meio de toda a balbúrdia. Conhecia história de familiares, de pais que haviam experimentado Madalena e o diálogo na mesa do jantar girava em torno de uma anedota: "já está na sua geração, meu filho?". O pensamento seguinte que me veio à cabeça era "conheci uma lenda", e em seguida, "quero fazer parte dessa lenda".

Entretanto, não sabia como me aproximar dela. Perguntei ao Binho o que eu deveria fazer, ele me respondeu que nada. Ela escolhia os acompanhantes de sua noite. A imagem batida da viúva-negra apareceu na minha frente. Como se ela se utilizasse dos parceiros durante a noite e, depois de ter sugado por completo as suas vitalidades, jogaria para fora de casa apenas o corpo murcho, sem substância, vazio por completo. De longe, iniciei uma série de olhadelas fixas para ela, queria me fazer perceptível. Em pouco tempo, o meu objetivo estava completo. Aproveitei uma oportunidade em que ela foi pegar uma cerveja perto de mim e imitei-lhe a ação. Ela puxou algum papo. Daí, até o momento em que estávamos nos beijando, não decorreu quase nada. Seguindo um raciocínio que já tinha edificado, pensei que poderia sugerir de irmos para a sua casa, logo, já. Ela me pediu calma.

Toda a bebida da festa acabou e Binho e os outros meninos sugeriram irmos todos a um posto onde poderíamos comprar mais cerveja e ficarmos bebendo. Até aquele momento, Cris, a aniversariante, já havia beijado dois de meus amigos, e continuava cada vez mais fora de si, agindo impulsivamente e sem controle. Fomos todos para a nova parada: eu, um pouco a contragosto, Madalena nitidamente tomando conta de Cris, mas sem aparentar qualquer tipo de autoridade, apenas querendo estar ali caso ela tivesse algum tipo de complicação. Eu insistia que deveríamos ir, agora, para a casa de Madalena, mas ela me pedia, toda delicada, um pouco mais de paciência.

Não conseguia enxergar nada além do meu desejo de comê-la, de ser mais um do grupo, de depois poder narrar como foi a minha experiência, de enumerar as minhas vantagens e detalhar as peculiaridades do encontro. Há de se perdoar os meninos de 16 anos. Madalena, por sua vez, vários anos a mais, experiência incomparavelmente maior que a minha, apenas passava a mão em minha cabeça e me olhava com ternura, numa mistura de mãe com amante. Em algum momento da noite, um conhecido entrou no posto para abastecer e, ao me enxergar, veio com uma pergunta, ou uma intimação. Queria saber se era aquela a minha noite. Foi a pressão necessária para que eu perdesse o pouco de tranqüilidade que ainda conservava e novamente pressionasse Madalena para que fôssemos sem mais espera para a sua casa. Ela fechou o semblante, mas nem tanto, e me respondeu: "menino, acalme-se. Nós iremos passar a noite juntos. Só tenho que levar a Cris em casa. Estou com todo o pó dela em minha bolsa, não confio nela para ficar com isso".

Ela me desarmara por completo. Apresentara-se como uma personagem muito mais complexa das que eu conhecia até aquele dia. Não sabia o que dizer. Eu era exatamente aquilo que ela tinha me chamado, um menino. E pior, mimado, que não agüentava esperar um pouco para receber um presente. Quem era essa mulher, que tanto sabe da vida, que ainda se preocupa com a amiga, que conhece coisas que eu nunca imaginei conhecer, ou pelo menos não até aquele momento? Eu era tão pequeno ao lado dela, tão insignificante, ela era tão superior, tão altiva, tão, tão... Deveria manter-me quieto e calmo ao seu lado. E assim procedi.

Logo em seguida, por coincidência ou sei lá o que, fomos embora andando, já que a distância não era muito grande até onde dormiríamos, deixando antes Cris em casa. Ela tinha fechado a noite beijando três de meus amigos em seqüência. O que foi uma ótima forma de constranger esses meus chegados no futuro.

Madalena morava sozinha e era completamente independente de sua família, que depois descobri ser razoavelmente tradicional na cidade. Mas, ouvira que vários dos objetos e eletrodomésticos da casa dela tinham sido presentes dos homens com quem dormira. Como uma forma de agradecimento pelos serviços prestados? Ou como forma de proporcionar mais conforto numa eventual volta? Não sei... A casa era pequena, mas confortável, no andar térreo de um prédio pequeno. Sentei na sala e logo em seguida estávamos atracados no quarto. Quando deitamo-nos, ela me pediu licença e saiu do ambiente. Voltou vestindo apenas uma lingerie preta transparente e me cobriu com o seu corpo. Pude sentir um perfume até então inexistente e estranhei esse pequeno detalhe.

Não creio ser necessário detalhar o restante da noite. Apenas explicito que não dormimos em nenhum momento e quando deitamos, um ao lado do outro, começamos a conversar. Algo que pouco tínhamos feito até aquele momento. Madalena disse que já me conhecia, já tinha me visto passar por sua rua, sabia quem eram os meus amigos, alguns há mais tempo e melhor que eu. Fiquei um pouco surpreso, não imaginava que alguém que eu nunca tivesse avistado pudesse saber da minha vida. Falou-me que eu tinha uma irmã e que ela estava para casar. Arregalei os meus olhos e silenciei-me. Todas as suas palavras me surpreendiam. Confidenciou-me que sabia perfeitamente quem era o meu cunhado, mas pedi-lhe para que ela não detalhasse isso. Disse que, independente do que poderia aparentar, já que não era íntima de ambos, ela possuía uma afeição pelos dois. Tudo aquilo me intrigava, não sabia o que falar, não tinha os aparatos necessários para poder me defender ou simplesmente dialogar. Ela continuou afirmando que sabia quando seria a cerimônia, e eu só balançava a cabeça em concordância, e que ela queria muito ir na igreja nesse dia. Mas que não tinha coragem de ir sozinha.

Qual era a resposta certa a ser dada nessas situações? Será que há alguma? A mulher se demonstrava, no mínimo, extremamente solitária. E, talvez eu, aquele que passara apenas uma noite com ela, mais um nas suas contas, uma das poucas nas minhas, eu estava em condições de proporcionar-lhe algum tipo de carinho, de conforto, completamente diferente de tudo o que ela já tivera. Aquela mulher poderosa, cheia de si, confiante, segura, que ao andar é impossível desviar os olhos, estava deitada no meu peito, escutando o bater acelerado e nervoso do coração de um garoto tímido e covarde, que era capaz de dizer algo que era nitidamente mentira apenas para poder confortá-la por alguns instantes. Talvez ela soubesse que nunca a levaria, talvez ela soubesse que, o caminho que ela escolhera há muito não teria uma volta, ao menos de forma simples assim. Mas não pude conter a confirmação que me escapuliu.

O sol já estava alto quando ela caiu num sono leve. Levantei-me, tomei um banho rápido, saí em jejum e me dirigi para casa. Minha mãe chorou quando me viu porque não sabia onde passara a noite e eu estava confuso demais para pedir-lhe desculpas. Sugeri que ela parasse, conversaríamos depois e fui me arrumar para ir ao colégio. Independente da noite, eu ainda era um garoto de 16 anos.

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