sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

Pseudices

“Num tempo como o nosso, em que até parte da imprensa se compraz em ouvir o que sempre ouviu, em que predomina no público um desalentador conservadorismo estético, esta atitude é, por si só, uma ode à cultura alternativa.”

Arthur Dapieve, em Nomínimo, sobre o lançamento do livro “Rio Fanzine – 18 anos de cultura alternativa”.

De vez em quando, paro a me perguntar se não seria eu o errado. Por que ter uma necessidade de prazeres que não tenham unicamente a intenção catártica? Por que não querer ir a um ambiente onde as pessoas se comprazem e se felicitam apenas por estar dentro do grupo, pulando ao som de algo hipnótico? Por que ter a intenção de racionalizar toda a produção cultural, tentando classificá-la dentro de algumas opções estéticas?

Talvez nossa era seja realmente a que menos se importe com o raciocínio, quando falamos de cultura. “Não é comigo”, “Sou eclético”, “Não estou indo lá para isso mesmo”, são respostas para uma pergunta simples sobre qual é a música que toca dentro de determinado ambiente. E isso se repete com relação a filmes, livros e tudo mais que nos rodeia. A cultura se transformou num passatempo, e como a idéia sugere, algo apenas para preencher um vazio numa estante temporal. Qualquer tipo de resposta em contrário é visto com desconfiança.

Há até um apelido carinhoso para essas pessoas que queremos pensar alguma coisa sobre o que escutamos, lemos, assistimos: pseudo-intelectual. Veríssimo escreveu uma crônica na década de 70 na tentativa de descrever o tal “intelectual”, termo do qual se originou o atual. Ele brincava que tal figura deveria usar óculos, andar com um livro grosso debaixo do braço e ter opiniões sobre todos os assuntos. Quase uma caricatura. No caso do “pseudo” a situação piora, já que ele realmente só precisa do formato, o conteúdo inexistiria. Já através da aparência o sujeito passaria uma idéia de inteligente – o que seria a sua intenção única.

O mais provável é que os “pseudões” estejam enganados realmente. A forma de prazer que eles pregam não condiz com a época em que vivem. Aliás, nunca houve uma época em que se valorizasse um estudo de cultura, mesmo que informal, se pensarmos na sociedade como um todo. Poderia haver grupos isolados onde era permitido comentar sobre esses motes, mas o bojo da população sempre foi, por natureza ou necessidade, alienada, no sentido mais antiquado que a palavra pode ter.

O que acontece agora é apenas uma adequação ao todo por parte daqueles que teriam a possibilidade de querer mais. Como se houvesse uma valorização de uma cultura popularesca. Os motivos não me cabe decifrar.

No filme “Os Incríveis”, há um diálogo interessante entre os protagonistas que pode iluminar alguma coisa por esses lados: Beto Pêra – o ex-Sr. Incrível – pergunta para a mulher por que ele não pode fugir da mediocridade, por que deve se acostumar com o mínimo, se contentar com o comum, invejar apenas o raso. A mulher responde que eles não devem chamar a atenção.

Nenhum comentário: