sexta-feira, 30 de julho de 2004

(Na minha humilde opinião)

La Ciénaga - O Pântano - não é a obra-prima que ouvi falar por . Mas, também, fica longe de ser um filme péssimo como um amigo meu sentenciou. Principalmente se vc sobreviver à primeira meia hora de projeção, onde estão concentrados seus maiores cacoetes. Depois as coisas começam a se encaixar e toda a engrenagem funciona direitinho.

Por puro preconceito, admito, o que eu menos gostei foi de um estilo de Lucrecia Martel de sempre propor um ângulo meio Glauber, Godard, essa vanguarda década de 70, que é datada e envelheceu demais. (Um escritor, argentino e cego, diz num prefácio de seu primeiro livro que ao tentar ser "moderno", vc se esquece que já o é). E o sestro acontece como um péssimo portão de entrada.

As imagens são sempre diferentes de tudo o que vc conhece, mesmo retratando uma realidade que é nossa cotidiana. Aliás, isso é bem legal: ver como na Argentina e (eu suponho) em toda a América Latina somos quase iguais. Apenas mudamos nossos objetos de preconceito (nós contra negros e pobres, eles contra índios e pobres), mas o praticamos com as mesmas regras. Ou como a classe-média sempre tenta se fingir de rica, quando o mais próximo do champagne que podem beber é sangue-de-boi com gelo.

E o melhor do filme: numa época onde o cinema é dominado por publicitários e diretores de clipes, e tudo é lindo, maravilhoso e perfeito, Martel opta por retratar os bregas, os ridículos, os feios, sem para isso, usar uma maquiagenzinha qualquer. É realista até o incômodo. (Aposto que vem daqui o desgosto de meu camarada).

Há ainda algumas outras interpretações que podem ser feitas, como a relação da família entre si (pai ausente, mãe alcoólatra, irmãos quase incestuosos, irmã lésbica, garotos perversos). Mas, acho que todo o filme pode ser resumido (e por isso, simplificado) numa das frases definitvas de outro amigo meu: "'O Pântano' tem tantas oportunidades de ser uma merda que ao se salvar, se torna bom". De certa forma, concordo.

quinta-feira, 29 de julho de 2004

Plágio de mim mesmo

Agora que acabei de receber um email de meu cunhado "direto de Bagdá", como ele mesmo escreve, me refaço uma pergunta simplista: será que os eleitores dos republicanos são os culpados pela guerra no Iraque?

Num raciocínio rápido, pode-se argumentar que, a partir do apoio que deram a Bush, eles não têm o direito de reclamar de nada. Como (igual a Fausto) ao venderem suas almas ao diabo, a única coisa a dizer seria "perdi, mano, mas não esculhacha não".

Para refutar essa conclusão premeditada, basta dizer o ridiculamente óbvio: é possível se arrepender após as eleições. Principalmente quando, a cada evento desse porte, o teatro só tende a aumentar. O aparato em torno da convenção democrata está aí para não me desmentir.

Mas, e se o sujeito não voltou atrás? Se ele foi para o Iraque e acha ainda que está lá para levar a democracia e a liberdade (!!!) para os pobres cidadãos daquele país distante oito horas no fuso horário? Então, nada mais lógico que culpá-lo pela própria sorte, já que foi ele, realmente, que pediu por isso. Entramos numa área um pouco mais subjetiva.

Como argumento contrário, tenho a dizer que a cobertura americana é horrííííível. Nenhum meio jornalístico (aberto ou fechado, já que lá não há muita diferença) teve os culhões necessários para bater de frente com a propaganda oficial. Isso é um fato. Para comprovar, temos o sucesso que o doc. do Michael Moore está fazendo lá (100 milhões de dólares e contando). As pessoas estão assistindo pela primeira vez várias daquelas imagens. E algumas vezes se perguntando "será que é tudo real mesmo?"

Minha irmã também acaba de me enviar uma mensagem dizendo que nos EUA corre o boato que algumas dessas imagens são falsas e perguntando quais foram as cenas montadas e as verdadeiras. Ela pergunta para mim, que moro a umas seis mil milhas de distância.

Ponto para a rede de desinformação.

Me perguntava antes de morar lá, como os Estados Unidos poderiam ser tão ignorantes? No "Fahrenheit 9/11", há algumas citações do "1984", do Orwell, que bem se adaptam a essa pergunta. Apesar de ter acesso a mais de 100 canais de TV, os americanos só recebem uma informação: a do governo. O que pode parecer improvável, é a realidade.

Claro que é possível achar informações fora das grandes mídias, mas então os americanos deveriam ter uma atitude pró-ativa em relação às informações. E americano é um ser passivo por natureza (fruto muito do sistema de educação primária castradora e parecidíssimo, em resultados, com o brasileiro). Podemos culpá-los por isso? Tenho minhas dúvidas...

Por conclusão temos a situação atual: americanos crédulos vão lutar e defender conceitos que mal entendem. E não será um doc. de sucesso que mudará essa mentalidade. Não mesmo.

ps. A parte boa do email do John é que ele afirma que a comida do Iraque é muito melhor que a do Afeganistão. Ainda bem, ao menos isso. Agora, a empresa responsável pelo bem estar dos soldados tem como um dos conselheiros um velho chamado Dick Cheney. Devem ser homônimos.

terça-feira, 27 de julho de 2004

Folha

A dita cuja de São Paulo, que se vangloria de ser o melhor jornal do Brasil, passa por uma fase ruim. Nenhuma de suas matérias me anima a ler até o final, tudo é muito chato, com um texto que não agrada, não estimula, sempre enfadonho.

Até que semana passada, 100 pessoas que trabalhavam em vários setores da Folha da Manhã Inc., empresa dona do jornal, foram mandados embora. E nesse ínterim, algumas das melhores matérias dos últimos tempos foram publicadas. Coincidência, eu digo. Sarcasmo do destino, dirão outros.

Comecemos pelo óbvio. Marcelo, amigo meu que trabalha lá, disse que, assim que souberam das demissões, algumas pessoas tentaram organizar algum protesto, mas todos pecavam pela infantilidade, ou falta de praticidade. E nada entrou no papel, pois ficaram, todos, com receio de ter o mesmo destino dos ex-colegas. Até que o Marcelo Beraba - ex-diretor da sucursal Rio e atual Ombusdam, o provável melhor emprego do mundo, tirando o fato de ter que morar em SP - escreve em sua última edição sobre as demissões e sobre como a própria corporaçao lidou com esse detalhe. Espetacular. Ainda, de lambuja, argumenta, ironicamente, que no mesmo período, o jornal produzira "duas das melhores reportagens do ano". 

Sobre essa outra, já falei aqui. Mas vale a repetição: um texto originalmente publicado na Spiked, uma revista em língua inglesa para homens (sim, há mercado editorial voltado para meninos, lá fora) onde o autor (Frank Furedi) tenta demonstrar que a atual geração entre vinte e trinta anos é muito mais imatura que a anterior. Me senti envergonhado, um bobo, infantilóide e autopsiado. A matéria descreve mais os jovens ingleses, americanos e japoneses, por isso os exemplos são um pouco longe de nossas realidades. Entretanto, adaptemos para o nosso convívio social e ficaremos constrangidos.

Outra (essa saiu na segunda, com cara de matéria de gaveta) demonstra como os cadernos de cultura do Rio e de São Paulo são diferentes. Se há duas semanas as matérias de capa sobre música no Segundo Caderno (que me lembro agora) eram compradas e importadas, uma falando sobre a aposentadoria do Phil Collins e outra sobre a revitalização dos anos 80, a Ilustrada estampou o TV on the Radio. No O Globo, já tinham falado sobre eles, mas apenas no Rio Fanzine, como se fosse algo segmentado demais para aparecer para o grande público.

Para frisar o nosso "atraso" basta lembrar que as primeiras bandas desse novo hype (Strokes, White Stripes, Interpol) foram apontadas primeiro em Sampa, muitas vezes pelo caderno de cultura deles e muito depois no daqui. Curioso é que essa banda (TV...), apesar de desconhecida e fazer um som estranho à primeira audição,  poderia ser bem popular, já que abusa de uns gravões, de um balanço e manemolência bem ao gosto do pop. O Thiago Ney, que assina a matéria e uma pequena crítica, descreve a banda como "estranha, mas encantadora". Concordo.

Se alguém quiser ler essas matérias e tiver problema com login e senha, entre em contato com o help-desk. "Estaremos abrindo um chamado e estaremos retornando assim que pudermos"


domingo, 25 de julho de 2004

...

Nem Armando, nem Sandra acreditaram quando souberam numa ligação no meio da noite que seu único filho havia morrido. “Acidente de carro”, disse a irreconhecível voz ao telefone. O garoto não era desses que correm ao dirigir, pensaram ambos em uníssono, e se soubessem desse detalhe, com certeza não se assustariam. Anos de vida dedicado ao esporte, disciplinado, ótimo aluno, recém-aprovado na faculdade, todas as caminhadas mal iniciadas. “Por quê?”, pensaram juntos e então pararam de pensar.

Foram diretos para o hospital com esperanças infundadas. Ambos médicos, não queriam agora crer na razão, desejavam o filho de volta e reclamavam às suas maneiras. Sandra sem atitude, sem ação, desmoronava no ombro do marido. Armando querendo vê-lo para saber, para ter a certeza, um tanto masoquista, um tanto desesperado, de que era ele mesmo que estava lá, inerte, finito.

No carro havia mais quatro garotos e todos resistiram. Só o filho deles, aquele que trataram com os cuidados de único. Como se fosse uma forma de piorar ainda mais o que eles sentiam, como um contraste. A cada palavra dita pelos sobreviventes, a cada movimento, eles lembrariam que o filho não poderia mais ficar com eles e fazer tais banalidades. E eles só queriam ser frívolos com o garoto.

Sempre deram presentes caros, viagens para fora do país, bancaram sonhos impossíveis. E o garoto não parecia ser capaz de... dessa maneira tão estúpida, por que agora?, por que o meu filho?, por que ele?, não fazia mal a ninguém, era tão bom o meu filho...

Um longo tempo passou e ambos não conseguiram desviar suas atenções para outros assuntos. A vida findara-se ali. Sandra, principalmente ela, nem conseguia concatenar pensamentos. Negava-se a continuar: acordava porque a luz insistia em entrar pelas frestas das cortinas, mas não queria sair da cama. Armando tentou voltar a rotina com o intuito de admitir para si a realidade. Mas, não a agüentava. Alguns dias, quando chegava em casa, passava pelo quarto do filho e ao ver todos os seus objetos intactos, da maneira como ele havia deixado, era a sua vez de despencar. Trancava-se dentro e costumava pegar no sono ali.

“O que atrapalha Sandra é não ter nenhum tipo de religião”, confessava Armando para os mais íntimos. Nunca perguntavam a ele como se sentia porque parecia que ele lidava um pouco melhor com o absurdo. Na verdade ele ansiava que perguntassem a ele para poder demonstrar que também sofria, que também não acreditava mais na razão, que não era justo, como o único filho deles morre antes deles? Tinham feito tantos planos para ele, não era justo. Não era justo, não era justo, e eles nunca perguntavam para ele e ele ficava sozinho, dentro de si, guardando, afundando o que sentia, empurrando para mais abaixo, escondendo para não encontrar mais, não queria mais, era inevitável, não era possível, mas não havia um motivo, isso que mais o chocava. Ele não entendia. Ninguém entendia, não tinha como entender, nem havia compreensão possível.

O tempo parecia indiferente para ambos. Sandra desistiu do resto da vida e se trancou. Tornou-se dependente do marido para tudo e não gostava de sair de casa. Dizia sentir medo, um pânico que não sabia a origem e como se manifestava. Apenas embotava sua visão e nada mais funcionava, era impossível, não se via mais, era branco, vazio, nublado, embaçado. Queria ficar dentro de casa onde se sentia segura, porque lá ela sabia onde pisava, quem ela era, como se comportar. Não queria mais ver pessoas, não mais, nunca mais.

Armando não percebeu disso porque, da sua maneira, ele também se distanciava de tudo a sua volta. Os amigos não sabiam como se aproximar. Iam visitá-los, sim, mas era tudo muito estranho: Sandra, sempre sentada, nunca conversa, ficava quieta, os olhos vidrados no ar em frente. Sugeriram procurar ajuda, mas Sandra não queria ser resgatada, ela ansiava por algo que não havia como existir, não tinha sentido esperar pelo que ela esperava e por isso ninguém podia ajudá-la. Sempre que começavam esse assunto, ela balançava a cabeça de maneira desordenada e tentava tapar os ouvidos; e se insistissem ela se levantava e ia para o quarto distante daquelas vozes. Armando não mais a enxergava, não mais sabia de nada além dele mesmo. E tinha dificuldades em se organizar. Não conseguia. Falavam com ele para ajudar Sandra e ele pergunta o porquê e por quê?, por quê? Ninguém conseguia aproximar-se de ambos.

Os dois se isolaram, não mais se comunicavam. Nem como antes, nem de qualquer outra forma. Entretanto, a simples presença física de um ao lado do outro era a única maneira de manter-se ainda com os sentidos ligados. Se fossem sozinhos, ou se não vivessem mais juntos, estariam ainda mais prostrados e, talvez, irrecuperáveis. Mesmo com esse pequeno fio de realidade ainda ligado, os amigos foram rareando, desistindo, perdendo o contato. Era Sandra para Armando e Armando para Sandra.

A cada ano, quando se aproximava a data, ambos decidiam viajar para a casa na serra. Ficavam um mês inteiro sozinhos, sem saber nada do lado de fora da casa, nem, ao menos, com vontade de tal. E um pouco antes do quinto ano aconteceu o seguinte:

Decidiram não viajar. Sandra estava pior em seu pânico. Há dois meses não via a cor das folhas das árvores. Vivia com o mesmo pijama de mangas longas, não importava o calor lá fora. Dentro da casa sempre era frio. Na semana do aniversário, Armando não foi trabalhar em nenhum dia. Ficavam em cômodos separados, passaram dias sem se ver. O dia cairia uma quarta, exatamente como foi da primeira vez. Era nova essa repetição e eles estavam um pouco mais assustados que o de costume, até a véspera.

No dia, surpreendentemente, ambos acordaram mais dispostos que o diário. Foram tomar café em silêncio e depois decidiram ficar juntos na cama, assistindo televisão. Era algo inédito para os dois. Parecia que tinham feito um acordo sem palavras e aceitaram mesmo antes de saberem das condições. Apenas queriam ter onde se escorarem.

A noite caiu e uma palpitação invadiu o peito de Sandra que automaticamente segurou e apertou mais forte a mão de Armando. Armando sentiu esse toque mais forte e respondeu acariciando as costas das mãos dela. Não perceberam quando se olharam nos olhos e estavam sorrindo. Há quantos anos não sorriam?, quase se perguntaram. Sentiram que eram mais que marido e mulher, sentiram que existiam com um motivo mais que o ser simplesmente, porque queriam viver e porque era necessário para o outro ao lado. Eles não eram mais singulares, viviam porque tinham um dever um com o outro, porque era necessário estarem juntos, porque era a única forma possível, porque tinha que ser assim. Eles precisavam ter o outro para sustentar, necessitavam dessa obrigação para continuar. Era bom ter esse comprometimento, sentiam-se úteis, mesmo que fosse algo tão pequeno, tão cotidiano, algo tão sem palavras, sensitivo, tão distante da razão.

Então, aconteceu algo que eles não mais se perguntaram o motivo. O noticiário mostrou um acidente, exatamente igual ao do seu filho, no mesmo lugar, com jovens da mesma idade, e apenas com um óbito. O repórter confirmava que haviam sido  transportados para o mesmo hospital. Sandra e Armando já não olhavam para a tv, e sim um para o outro e não viam mais nada. E fizeram juntos: levantaram-se em direção ao hospital.

quinta-feira, 22 de julho de 2004

do que sou feito

quero me esconder atrás / desses pêlos que insistem / em não respeitar qualquer ordem /
até descobrir, como num aceno de mão, / do que eu sou feito.

areia de praia /ou algum material menos perecível /menos volúvel / mais constante.

gostaria de saber se sou / estou / apto a praticar / a personagem que desempenho /
e, se não, é válido continuar /tentando?

ou apenas tendo a me confundir / me encobrir / até a morte, /e "a gente vai levando"?

Parece que existo por permissão / ou pena / de outrem.

como se, dessa forma, / desse jeito, /conseguissem um lugar no céu, / mas de coração sincero, /
e tentando ajudar.

quero respostas /e só encontro mais questões.

quarta-feira, 21 de julho de 2004

Propaganda

Esse brógui, se me é permitido, faz campanha para dois eventos imperdíveis, que já estão aptos:

1) Brilho eterno de uma mente sem lembranças (a tradução mais fiel que vi nos últimos anos): sem exagero, um dos melhores filmes de minha vida.

Direção: Michel Gondry; roteiro: Charlie Kaufmann; protagonistas: Jim Carey, Kate Winslet; extras: Elijah Wood, Mark Ruffalo e MJ Watson, ou seja Kirsten Dunst (esta, acabei de descobrir, um ano e um dia MAIS NOVA que eu. Estou ficando velho).

Sexta, nos cinemas.

2) Antics, o novo Interpol - já disponível nos melhores p2p. Acesse agora o seu.

terça-feira, 20 de julho de 2004

Milagres
 
Creio que esta história apareceu num programa dominical na tv. Daqueles que se vendem como jornalísticos e, no mínimo, são sensacionalistas. Toda a trama – quase um roteiro cinematográfico – me pareceu fenomenal. Por sorte não a assisti, e tudo o que sei, foi-me informado na segunda de manhã, pela boca de vários outrem. Então, não espere qualquer fidelidade aos fatos. Pelo contrário, nessas transmissões, o cerne de toda a mensagem pode – e creio que foi – modificada de maneira definitiva. Por isso até assumirei um lado mais “romanceado”, se é que possuo tal talento.
 
Tudo começa com uma imagem antiga de Maria (nome mais apropriado não há), um super8 velho com as cores saturadas, o vermelho escorrendo, os pulinhos típicos dos filmes antigos e que se deve aos dezoito quadros por segundo, ela caminha por um gramado, há uma mesa onde se senta. Comum. Talvez o único detalhe que foge do cotidiano é o fato dela estar grávida de poucos meses, em contraposição a uma expressão de desconforto. Talvez por estar sendo filmada, podemos pensar num primeiro minuto. Porém, ela, em nenhum momento foge das lentes, apenas está insatisfeita com algo. A informação que me passa é a de que ela quer ser alegre, leve, quer flutuar, mas algo a prende ao solo, a remete a uma certeza que não há como ser adiada.
 
A matéria se desenvolve e descobrimos que ela foi uma das primeiras mulheres brasileiras a fazerem ultra-sonografia de alta precisão. Teve essa possibilidade porque seu pai era um médico influente. Era o primeiro neto de sua caçula e de um casamento que ele apoiava incondicionalmente. Novamente aparece Maria com uma expressão carregada (agora em imagens de arquivo da própria emissora): é uma sala de consultório comum. Maria sentada na mesa, ao lado, seu marido, em pé, o pai. Do outro lado da mesa, o obstetra. Este segura um papel, Maria entrelaça as mãos com as do marido. De repente, cai num choro incontrolável. A criança é anencéfalo e não resistirá assim que extirparem o seu contato com a mãe. "100% dos casos vão evoluir para a morte", diz o médico, sem nenhuma delicadeza ao tratar o assunto. E a matéria tem um intervalo aqui.
 
Volta para a casa de Maria com ela: “a vida cresce dentro de mim, a barriga já aparecendo, e anunciam a morte de meu bebê”. Maria decide se interar sobre a legislação corrente e descobre que não há nada nenhum mecanismo legal que a ampare nesse caso. De acordo com as leis, ela deveria deixar a criança crescer, se formar completamente e apenas esperar pelo seu óbito.
 
A reportagem não diz sobre o que será escrito agora. Tudo será um pouco de suposição misturado com informações não oficiais. Creio bastante que houve vários incentivos para que Maria procurasse clínicas especializadas em tratar desse tipo de problema. Contudo, há um detalhe que não foi dito até o exato momento. Toda a família de Maria era de origem portuguesa e excessivamente católica. Um dos que me contaram a história disse conhecer um primo distante do marido de Maria, e sabia alguns pormenores que não foram apresentados na tv. Maria foi se consultar com um padre, amigo de seu pai. Ele lhe informa ser possível que ela viesse a sofrer, que tudo até poderia se transformar num drama, sabendo que “gera um filho que não tem condições de sobreviver”, para concluir num tom professoral, "mas o fato de a mãe gerar um filho anencéfalo não justifica que nós possamos tirar a vida desse filho para poupar, eventualmente, o sofrimento dessa mãe" (essas últimas declarações são mostradas numa entrevista, já com imagens bem recentes, por uma Maria surpreendentemente feliz e tranqüila).
 
A reportagem volta demonstrando que Maria, sem outra opção válida, terá o bebê. Conforme os meses vão se acumulando, ela se torna uma pessoa doente, quieta e pelos cantos. Raramente sai de casa, as olheiras se acumulam. Esse meu informante especial me segredou que o padre lhe mandou numa conversa – não necessariamente na mesma – confiar em deus que ele irá resolver tudo. “Não há caminho errado porque tudo já está traçado. Devemos apenas nos acostumar com todas as barreiras que eventualmente aparecem”. E concluiu quase profético, quase dúbio: “e lembre-se: deus confere um, e apenas um, milagre na vida de todos aqueles que acreditarem nele”.
 
Maria se transforma numa beata com pouco mais de vinte anos. Só a vemos envolta em chalés escuros, com roupas cumpridas, dentro de templos. Na reportagem essa mutação é bastante estranha, já que não explicam detalhadamente o motivo dela ter variado dessa forma. Dizem que foi apenas porque ela era católica e se agarrara na religião como à salvação. Se soubessem que Maria estava diretamente ligada à vontade que seu milagre – por mais absurdo que possa parecer – acontecesse, talvez não ignorassem dessa forma tal fenômeno. Apenas frisaram, repetindo o clichê de que a “fé move montanhas”. Quando uma das contadoras dessa história me disse isso (e por coincidência, foi a primeira a fazê-lo), pensei que fosse apenas por mal-gosto pessoal dela. Mas, depois, percebi que todas as mulheres que vinham até mim com essa história repetiam a mesma frase. Vi que era um problema de origens.
 
E, então, a primeira maravilha acontece: o bebê nasce e vive. Quando ouvi, também não acreditei. Algumas mulheres estavam com os olhos cheios d’água nesse momento. Entretanto, o que é ainda mais inacreditável vem agora: não só veio ao mundo, como cresceu e até hoje está andando por aí. Tem vinte e poucos anos, mais ou menos a mesma idade de sua mãe, quando o teve. E, ela, de tão agradecida por esse prodígio, conseguiu convencer seu filho a seguir a carreira clerical, em agradecimento. Hoje ele é um padre importante em sua paróquia.
 
A última parte da reportagem o mostra, dentro de sua igreja, discursando da maneira mais tradicional possível para dezenas de pessoas, todos os finais de semana (acho que reuniram algumas pessoas a mais que o normal quando disseram que seria transmitido pela tv). No seu sermão prega para as pessoas nunca duvidarem de um milagre, pois ele mesmo era fruto de um.
 
Suas posições (fizeram algumas perguntas para ele numa rápida entrevista), talvez por ser resultado direto de um dos dogmas mais enraizados e antigos da igreja católica, são excessivamente conservadores. Era contra a renovação, qualquer tipo de liberalidade, contra métodos anticoncepcionais e, óbvio, contra o aborto. Nada mais justo vindo de uma personagem inacreditável como essa.

domingo, 18 de julho de 2004

Agora vai
 
A trama
 
Não sabemos do passado do protagonista: é da Venezuela, um fugitivo, foi condenado à prisão perpétua (não se diz o motivo), passou pela Índia recentemente e ponto. Sabemos que tem uma erudição, capaz de citar alguns autores latinos de cabeça (errado, mas cita), que acha importante escrever para deixar uma espécie de testamento e que exerce esse hábito diariamente.
 
Esse protagonista sem nome está numa ilha deserta, e, sem nenhuma explicação, começa a aparecer outros personagens nesse lugar pouco aprazível. Ele também não entende muito bem de onde eles vieram, já que não houve um barco, para transportá-los.
 
A curiosidade sobre os novos habitantes, a paixão por Justine, umas das aparições que o faz lembrar de uma cigana, sempre com um lenço nos cabelos, e o medo de ser apanhado, move toda a história. Qualquer outra informação sobre esse livro pode atrapalhar e muito quem se empolgar. Fiquemos por aqui.
 
O blablabla
 
No início, Bioy Casares explica como é o cotidiano desse protagonista, quase caindo no "erro" de ser extremamente realista. Sua intenção, provavelmente, era fazer crer um ser tão sem informações. Mas essas trinta páginas passam rápido e servem como aperitivo do estilo de Bioy Casares.
 
Sempre misterioso. Joga uma informação nova ao léu sem preparar em nenhum momento o espírito. Ficamos nos perguntando como é que um interruptor foi parar numa ilha deserta, até que, no final do parágrafo, ele explica que na ilha tinha uma espécie de gerador de energia elétrica.
 
Tirando esse lado misterioso, que ele segura até o final, lembra bastante Borges. Aliás, JLB gostava muito de apresentar finais surpreendentes (sendo uma referência quando se trata de "estrtutra dos contos modernos"). "A invenção..." (com cento e poucas páginas), por isso, tem a ótima estrutura de um conto. Só que com, ao invés de apresentar apenas duas histórias (a óbvia e a subliminar), há mais camadas para se desvendar neste.
 
O nhemnhemnhem
 
Se parece um texto desinteressante no início, assim que se começa a revelar todos os segredos, é difícil largar. Todos os absurdos têm uma explicação para lá de lógica, sempre fundamentada na realidade (e daí vem a maior diferença estrutural entre os argentinos fantásticos e a fantasia de Gabo).
 
E todas as suas explicações realistas fazem com que pensemos duas, três vezes na nossa forma de encarar a realidade (ao invés de "apenas" nos emocionarmos, como acontece com o colombiano). Aliás, a talvez maior mensagem da história seja exatamente a de que a realidade é somente aquilo em que acreditamos ser como tal (mais uma similaridade entre Borges e ele, já que o "tutor" gosta bastante de citar os nominalistas britânicos - Hume e Berkeley - e Schopenhauer).
 
Bioy Casares propõe uma análise sobre a idéia de Tempo, da Imortalidade, da sobreposição da vontade de um sobre o outro, brinca com conceitos antropológicos... isso tudo numa quase ficção-científica, longe de ser empolada. Meu cachorro (se este existisse e se soubesse ler) poderia ler e se divertir aqui.
 
A conclusão
 
Se existe ponto negativo, este poderia ser, forçando a barra, o início meio lento, quase não engrenando. Alguns mais afoitos, podem desistir nas vinte primeiras páginas.  Depois, as idéias vão sendo puxadas, uma a outra, e tudo se ligando, se entrelaçando, tendo uma explicação lógica, sem problemas de construção. Bioy Casares se dá ao luxo de, ao final, antes de terminar, revisar todo o livro e destrinchar detalhes que achou sem muita explicação. Vc sai do livro achando que entendeu tudo de tudo. E depois se pergunta, será que é assim mesmo?
O prólogo de Borges
 
Adolfo Bioy Casares (morto em 1999) era visto como um pupilo de Jorge Luiz Borges, já que eram extremamente ligados um ao outro. Basta dizer, para comprovar, que o livro de estréia daquele é dedicado ao segundo, e que este escreveu o prólogo para essa obra do, então, novato.
 
Talvez aquele tenha se tornado um escritor, profissão de toda sua vida, por ocasião dessa amizade com o mito maior da literatura argentina. Não sei, não li nenhuma biografia dele, não tenho comprovações. Mas, vou fazer pior: arrisco dizer que se Borges nunca escreveu um romance (por inúmeros motivos), Bioy Casares o fez por ele. E olha que afirmo isso apenas tendo lido uma obra grande do mais moço deles. 
 
Na apresentação, Borges ressalta o caráter fantástico dessa narrativa (mesmo assim, sendo o inverso do mais emotivo Garcia Marques), em contraposição com as narrativas psicológicas (no jargão de Borges, engloba o realismo e tudo o que trata de realidade), já que estas devem se ater a dados cotidianos que, de acordo com sua opinião, dificultam o interesse pelo romance.
 
O seu argumento, aliás, é interessantíssimo em dois momentos: quando espinafra Proust e sua necessidade / vontade de retratar até seu mais simplista ato diário. Ele defende que essa prática minimalista é chatíssima. E quando diz que todos os russos já demonstraram que o ser humano é capaz das maiores atrocidades. Logo, escrever sobre a realidade, seria uma certeza de se repetir.
 
De acordo com Borges, a opção mais acertada para incrementar a literatura seria optar pelo irreal, para a fantasia, para o improvável. E afirma que essa La Invención de Morel é um ótimo representante do gênero. Um dos melhores do século xx.
 
Continua arriba.

A Máquina Fantástica

A história desse livro ("A Invenção de Morel" no original - título com muito mais significância que esse genérico e ridículo dado para essa edição), de como ele veio parar na minha mão serve bem de introdução ao próprio livro. Sugerirei informações soltas: junte-as e tire suas próprias conclusões.
 
a) Queria comprar um presente para meu camarada e vizinho Edu.
 
b) Sabia da existência de um bom sebo na Buarque de Macedo, no Catete, onde poderia encontrar livros até de Borges (é dificílimo encontrar qualquer velharia deste argentino).
 
c) Tinha me programado para almoçar num rodízio de crepes por dez e noventa, na marquês de Abrantes (o nome do lugar é Abrantes, simplesmente), mas só serviam (inexplicavelmente) após às 15 horas. Eram 14 ainda.
 
d) achei esse "máquina fantástica", junto com o "livro dos sonhos" de Borges (e vários de Cortázar, do próprio Bioy Casares...). O preço de capa de ambos era 27, pedi para baixar para 25, e o cara me responde: "25? essas velharias? Não, no máximo 20".
 
e) Escrevi uma dedicatória para o Edu, já pedindo-o emprestado, já que me parecia um ótimo livro. (Ainda não sabia que este era La Invención...)
 
f) Li o prólogo de Borges.
 
g) Fiquei para mim.
 
Continua no próximo post. Acima, claro.
 
em tempo, comprei um outro livro para o Edu, de autor desconhecido e iugoslavo, que dizia, na apresentação: "aqueles que leram esse livro, há alguns séculos atrás, morreram todos...". Achei perfeito como presente de aniversário.
 
 
 

Quixote
 
Se um dia eu for rico e famoso, sendo convidado a publicar livros sem nenhuma importância, só por causa de meu nome na capa ("sonhar / não custa nada"), já terei a idéia para o meu primeiro descartável: "Os livros que li durante o Quixote". Assim como na alegoria borgeana do livro de areia, onde, assim que vc abre o dito-cujo, nunca mais conseguirá achar o fim ou o início do mesmo, a minha edição das aventuras do "Engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha", com suas bem nutridas 604 páginas, recheadas de letras minúsculas que merecem uma lupa na leitura, parece não ter fim. Quanto mais eu leio, menos evoluo. Devo esta nele há uns dois meses - entre indas e vindas - e continuo nas páginas compreendidas entre o cem e o duzentos.
 
Isso não quer que ele seja ruim. Quem sou eu para discordar da opinião da maioria dos escritores vivos, ao redor do mundo, que foram entrevistados ano passado para decidirem qual é a melhor obra já feita na literatura (essa coisa de jornalista querendo arranjar pauta...) e apontaram esse Cervantes. Eu até gosto muito do Sancho Pança. Acho-o engraçadíssimo, e suas passagens solo são, infinitamentes, as melhores do livro.
 
Talvez seja, apenas, um pouco repetitivo, já que sabemos desde a página sete que o Dom Quixote não bate bem da cabeça por causa da leitura excessiva de romances de cavalaria (quem mandou ler demais?), e a partir daí, é somente ação dos protagonistas. Isso quer dizer que o autor teve que se desdobrar para arranjar aventura para tanta página (para falar a verdade, esse deve ter sido o menor dos problemas, já que "Dom Quixote" foi publicado em capítulos, como folhetim, e quanto mais páginas, menos morto de fome ficava Cervantes), e muitas vezes ele não tem como não se repetir. Mas, sai-se muito bem.
 
Só que, por todos os óbvios motivos (linguagem antiquada, letras minúsculas da edição, previsiblidade alta da trama), tenho que recorrer a outros livros para me oxigenar durante sua leitura. Isso, como podem ter percebido, é apenas uma introdução ao real assunto desse post. Li um dos melhores livros de minha vida. Mas será descrito apenas no próximo texto (ou seja, este aí de cima).

sexta-feira, 16 de julho de 2004

E é óbvio que eu só consegui todas as informações abaixo por causa do allmusic.com - que agora está reformulado e só permite a entrada através do preenchimento de um cadastro. Argumentam que não vão fechar o acesso, apenas querem algo em troca. Se isso é verdade, não o sei. Podem, realmente, estarem falando a verdade - como quando O Globo restringiu o seu conteúdo para os cadastrados. Esses putos conseguem, agora, rastrear todas as minhas pesquisas. Sabem de quem eu gosto, quero escutar ou ler. O futuro de Minority Report não está muito distante mesmo...
Analogia
 
Inclusive se dizem por aí que o Coldplay, aquela bandinha michuruca, é uma evolução, com os decibéis para baixo, da primeira fase (a única copiável) do Radiohead - que termina no máximo durante o Ok Computer -, o Muse é exatamente o oposto.
 
O vocal de Matthew Bellamy é quase idêntico ao do (pau para toda obra) Tom Yorke, o que dá uma familiriaridade absurda às duas bandas inglesas. Rola aquelas levadinhas com piano em crescendo (Apocalypse Please, clap, clap, clap) até a explosão máxima. E eles (Muse) têm refrões que parecem saídos de alguma obra esquecida do Pablo Honey. Mas, creio ser improvável que a banda mais importante da música na atualidade seria tão pesada e com tantas distorções quanto em quase todas as faixas do segundo álbum de estúdio dos seus  conterrâneos (Origin of simetry).
 
É por isso, portanto, que eu gosto de Muse e não de Coldplay.
Por favor 2, acrescentem à lista abaixo a banda inglesa Muse, com (principalmente) o terceiro disco Absolution. Algumas músicas são de chorar de boas.
Conservadorismo
 
Por longos anos, me senti um liberal. Agora, percebo que, em apenas as grandes questões, as mais óbvias, tomo as atitudes mais distantes de arcaísmos. Ao ler algo que escrevi logo ali embaixo, vcs (virtuais) perceberão que pratico a defesa da narrativa mais tradicional, por exemplo. Histórias devem ter início, meio, fim, esses detalhes que não necessariamente aparecem na mesma ordem sempre. Deve respeitar as próprias regras que se propõem logo de cara. E um imenso etc etc etc.
 
Entretanto, aqui não estou para falar sobre cinema ou qualquer obra que seja estritamente narrativa. Quero confidenciar que, por ser esse conservador, que agora se abre, tenho uma certa aversão às músicas eletrônicas de uma maneira razoavelmente restrita. Não me agrada nada que seja sem muito sentido, que não tenha, ao menos, suingue. Não me venha com trance e seus descendentes, por exemplo. Talvez seja defeito meu - no caso a falta de fábrica de manemolência. O único estilo que provém - não necessariamente - de computadores que gosto de olhos fechados é o trip-hop. Também com a dupla mais conhecida sendo Massive Attack e Portishead, só não gosta quem tem pavor da tristeza. (só para não me tacharem de tradicionalista ao extremo: acho, às vezes, drum & bass bem interessante...).
 
Essa introdução absurdamente grande (isso porque eu agora finjo ser jonaleiro) é para falar que minha banda preferida atualmente  é o Sonic Youth, sendo seu melhor álbum (na minha humilde) o penúltimo, murray street. Tudo isso, também, porque acabei  de baixar o último deles, sonic nurse, terceiro na parceiria com o mesmo produtor (Jim O'Rourke), desde NYC ghosts and flowers. E, nessa nova fase, eles abusam de estruturas melódicas bem mais densas, maduras, menos chiados (há, não é SY sem chiado), três guitarras dialogando, discutindo para chegarem a um veredicto, músicas de sete minutos... impressionantes.  
 
Da minha vitrola não sai (também):
 
a) Tv on the radio (Desperate youth, blood thirsty babes) - espetacular o rock sem ter a impressão de ser rock, coro dos negões, bateria eletrônica na aparência, baixo sobrepondo às guitarras, climões excelente. A melhor do mundo é bomb yourself, depois king eternal;
 
b) White Stripes (Elephant) - sim, eu sei, é (ou era, depende de quem está julgando) hype, mas o que é aquele baixo em seven nation army? E a brincadeira entre os vocalistas na última música?;
 
e c) PJ Harvey (Uh huh her) - a moçoila volta ao batom borrado (perfeita expressão de meu camarada e chefe Tambarotti), sem esquecer a madureza de últimos álbuns, ótima combinação.
 
Ou seja, só roquenrol, que já está morto há, no mínimo, dez anos, com o atentado cometido por Kurt Cobain contra e a favor dele mesmo.

quarta-feira, 14 de julho de 2004

Parágrafos sobre as narrativas não convencionais

Elephant

Tenho tanto medo de que o diretor tenha feito uma merda que evito ao máximo filmes que se vendem como inovadores, no ponto de vista da narrativa formal. Esse é o motivo que me fez assistir somente no final de semana passado, em vhs, numa tela de quatorze polegadas, com a imagem bem ruim e o som chiado, ao ganhador da Palma de Ouro de 2003. A boa notícia é que, apesar de seus longos travellings, da sua necessidade de se manter distante, frio, impassional, dos personagens serem por capítulos inteiros desinteressantes, o filme não é exatamente ruim. Culpo os problemas que tive quando decidi assistir esse tipo de obra sob condições adversas pelo meu desinteresse. Acho até aqueles longos silêncios agoniantes (claro que Van Sant tinha isso em mente), quando víamos um dos personagens navegar sem muito rumo definido, bacanas. Deve ter dado um resultado interessante no cinema. Só achei que esse estilo escolhido teve mais a intenção em torná-lo cult do que em criar uma obra assistível por uma ampla parcela de espectadores (como disse Cacá Diegues no Globo de segunda, há diretores que fazem filmes para os amigos). Mas, novamente repito, deve ter sido culpa das quatorze polegadas. Acabou o filme e eu fiquei apenas com vontade de adquirir aquele video-game que os "protagonistas" (posso chamá-los assim?) jogam na seqüência final.

:)

Mas, a história do elefante é legal e entende-se bem. Ficamos sem respostas, como qualquer pessoa que tentou justificar ou entender o atentado em Columbine. Interessante, a proposta se fez válida. Mas, é necessário frisar: nunca, jamais, em hipótese alguma, este filme é melhor que Dogville.


Primavera, Verão, Outono, Inverno... Primavera

Quando assisti ao trailer, pensei: deste, eu quero distância. Me parecia coreano demais. E é. Entretanto vem daí sua melhor qualidade. E o seu pior defeito. Por ser assuntosamente oriental, temos contato com imagens belíssimas e que não estão nem próximas de clichês (pelo menos para mim, já que essa qualificação é quase pessoal). Assistimos a um belíssimo conto-de-fadas, onde a ética e a moral são distantes das nossas conhecidas. Tem camadas e camadas de interepretações e mensagens para mastigarmos depois, no chope com a pizza. A mais óbvia - que não devemos prender ou reter nada, pois não somos donos de coisa alguma -, por si só, é belissima. Já valeria a pena assistir ao filme por isso. Fico pensando como um filme americano trataria esse tema tão intimamente ligado com suas características nacionais.

Por outro lado, é um filme coreano. Então, não saia de uma sessão de Homem-aranha 2, não atravesse a São Clemente nem a Voluntários da Pátria e não vá assistir "Primavera..." em seguida, com sua irmã blockbuster. Para a produção dizer alguma coisa, por que veio, para onde vai, quem são aqueles que andam para lá e para cá, demora alguns anos (resisti ao intento de fazer trocadilhos com as estações). Esse detalhe, aliás, passou em brancas nuvens por mim. Sinal talvez da melhor qualidade de som e imagem desse em comparação ao filme de cima. Mas, faça um favor a essa sua irmã: prepare o espírito dela, e tente convencê-la a ir contigo ao cinema ver "algo diferente" (diga assim, não fale coreano que espanta), num dia que ela esteja de bom-humor. O filme surpreende por colocar toques de humor no meio, há um drama muito forte e pegajoso (no bom sentido) e é provável que ela vá se surpreender ao sair encantada. Claro, se ela não dormir no meio do caminho.

segunda-feira, 12 de julho de 2004

Vinte anos sem

(Quero deixar claro, antes de tudo, que estou com a idéia desse texto desde sexta passada, quando vi um dos filmes que voltaram a credenciar o francês como um dos meus ídolos incontestes. Agora, hoje, segunda, que saiu uma matéria e um texto curto no segundo caderno do O Globo, assinado pelo Cacá Diegues, sobre o dito-cujo me sinto um plagiador. Mesmo assim, continuarei.)

Truffaut foi o cineasta que me surpreendeu em mais oportunidades, mesmo quando eu já fazia uma expectativa enorme. O primeiro que vi dele foi "Jules e Jim", muito em seguida, quase como um viciado procurando a segunda dose, vi "Noite Americana". Quem foi da época das locadoras com apenas esses dois VHS dO sujeito da Novelle Vague, sabe como era desesperador procurar por um terceiro filme dirigido por ele e encontrar no máximo com "A pequena ladra", seu (excepcional) roteiro filmado (por Claude Miller) após sua morte em 84. Para continuar com os trocadilhos infames de drogas, era como ter uma síndrome de abstinência.

Depois vieram quase todos os que eu pude encontrar. Nesse ano - acho que 2002 - foram lançados nos cinemas alguns de seus títulos, mas só me lembro de ter visto dois: "A noiva estava de preto" (aliás, acabei de me lembrar, esse foi o primeiro filme dele que assisti, mas não me causou nenhum furor. Pelo contrário, confesso que dei umas cabeçadas no cinema), e "Os incompreendidos". Por esse, nutro inflacionadas paixões.

O que é bom nele era sua facilidade em traduzir sentimentos tão simplistas (na concepção), mas arrasadores (nos resultados) em todos os seus filmes. E, principalmente, demonstrava um apreço, uma amor mesmo, pelo cinema sem igual. Algo que ele simplesmente não conseguiria viver sem - como exatamente em um vício.

Há algumas cenas que transparecem isso: no seu primeio longa ("Os incompreendidos", que lhe valeu a palma em Cannes de diretor, e que estreiou sua parceria com Jean-Pierre Leaud e seu alter-ego Antoine Doinel, repetidas outras quatro vezes), Truffaut abusa da egotrip e retrata um menino pobre que pratica pequenas incorreções para poder ir ao cinema - dentre outras coisas.

Em "Noite...", o diretor Ferrand (interpretado pelo próprio) sonha com um garoto que no meio da noite se esgueira até o cinema para roubar cartazes de "Cidadão Kane". Nesse mesmo filme, Ferrand recebe uma encomenda de livros escritos por e sobre outros grandes cineastas "para saber como fazer um filme".

"Noite..." é covardia. Não deveria entrar numa categoria de Homenagens ao cinema . Ele é a própria homenagem do cinema a si mesmo, feito metalinguagem. Todos que o assistiram sabem que o cineasta é bastante fiel aos seus princípios de não tentar ser profundo (e vazio) na superfície, para dizer muitos mais do que é mostrado. Aliás essa é uma discussão antiga (Truffaut era um prato cheio para a "patrulha ideológica" de plantão nas décadas de 60 e 70. Nunca fez um filme enganjado. Era o cinema pelo cinema e assim desagradava aos que seguiam o preceito socialista da arte pela mudança social.)

Mas, admito que ele tinha me desagradado numa seqüência de três filmes e estava em falta comigo (como se ele me devesse algo). Achei "Duas inglesas e o continente", uma espécie de cópia pelo avesso de "Jules e Jim"; A "História de Adele H", sobre a filha de Victor Hugo, um pouco dramalhão demais, açucarado demais. E "Fahrenheit 451", simplesmente chato. Esse (de onde Michael Moore tirou o título do seu) é, talvez, o filme mais "sério" de Truffaut. E ainda falado em inglês, língua não entendida pelo (muito) francês. Fora que a "Sereia do Mississipi", com o Jean Paul Belmondo, passou tão longe da minha memória que caí no erro crasso de locar duas vezes o mesmo vhs.

Mas as últimas duas "aquisições" foram excepcionais. "Domicílio Conjugal", (mais uma incursão de Antoine Doinel) e - principalmente - "O Último Metrô", passado na França ocupada pelos nazistas e retrata um outro tipo de triângulo amoroso, fizeram lembrar o que Truffaut representa para mim: uma espécie de cronista, onde parece ser leve, simples demais, mas sempre delicado, suave e, na ausência de adjetivos menos gay, doce. Não há como não gostar dele.

(começo o post com um parênteses, termino com o mesmo. Isso tudo, sem falar no livro excepcional de entrevistas com Alfred Hithcock, no "De repente num domingo", que não deve nada ao mestre do suspense, no "Beijos Roubados", também Doinel, "Atirem no Pianista", homenagem ao thriller e com Charles Aznavour, "O mulher da porta ao lado"...)

quinta-feira, 8 de julho de 2004

Um ano depois.

Tudo bem que não foi nada do que é comumente chamado "normal". Fiquei quatro meses em outro país e hoje em dia moramos em estados diferentes. Mas, mesmo assim, acima de qualquer outra pessoa, Eu me surpreendi quando ontem estávamos, nós dois e mais ninguém ao lado (apesar de estar lotado o lugar) sentados num restaurante grego (a Grécia é o país do momento) comemorando um ano de namoro. E vale(u) muito a pena.

A celebração acaba aqui. O resto vale apenas para contar como é o restaurante e como é a comida do lugar. Pense em beringela, em alho, carne ensopada, uma espécie de lasanha (aliás duas diferentes, uma realmente de macarrão, e outra com uma massa mais leve e que um de seus ingredientes está lá a beringela), pastinhas, de alho e beringela, pães / torradas com ervas, azeitona, cebola, tomate, pimentão, como eu ia esquecer o pimentão?, beringela ensopada, música árabe (árabe?), uma mulher e a dança do ventre, das velas (árabe?), uma homenagem aos ritmos mediterrâneos (grego e... árabe?), beringela, ozuo - que é um licor de anis "refrescante" (tomei o meu e o de Dani), a R$ 8,50 o copinho pequeno, quebras de pratos depois disso tudo (eu já tinha me retirado porque estava quente pra cacete), grãos de arroz de outra refeição nas tradicionais paredes helênicas, um diálogo surreal ("O que é isso?", "...", "O quê?", "...", "Ah, tá". Dani me pergunta o que é que o garçom me disse e eu respondo: "Sei lá") e beringela, novamente. O melhor de tudo, às quartas, todo o show custa só 11 pratas mais o couvert.

Fica na Conde de Irajá, do lado do Via China. E se gaba de ser o único grego do Rio. Vale a antropologia.

segunda-feira, 5 de julho de 2004

Anything else

Eu juro que serei breve. Qualquer coisa que eu redigir e parecer sério e definitivo não deve ser levado muito a sério, porque ele é um dos sujeitos que mais aprecio. A crítica objetiva se perde em algum lugar. Se acreditasse em deuses, ele seria uma espécie de. Acima do bem e do mal. Falo, obviamente, de Woody Allen.

Dessa vez, a persona "Mia Farrow" ou "Diane Keaton" é interpretada por Cristina Ricci (sempre boa, mas talvez novinha demais para a nova-iorquina neurótica). O do próprio Allen, é pelo Jason Biggs (anos luz de American Pie, e, como todos os outros que já tiveram essa incumbência, com gagueira e outros cacoetes).

E como você já deve ter percebido, ele voltou ao tempo das comédias românticas com neurônio e distante dos finais previsíveis, ou no caso dele, previsíveis ao seu modo. E é desse seu “segmento” que mais gosto. Por isso, considero esse seu melhor filme da fase Dreamworks – suas últimas quatro produções foram patrocinadas por Spielberg.

(Apenas como lembrança: Small Time Crooks, onde ele volta a sua primeira fase, mais pastelão, e que agradou em cheio a classe-média americana; Jade Scorpion, ainda garrada na torta na cara; Hollywood Ending, da parcela de homenagem aos meios. Primo direto de Tiros na Broadway, Rosa Púrpura do Cairo, A era do Rádio etc. E esse atual, que tem como parentes próximos: Annie Hall, Manhattan...).

Outro motivo que me leva a gostar desse filme é a participação do diretor-roteirista apenas como coadjuvante (mas que, quando aparece, reduz seu interlocutor ao serviço de “escada”) lotado de diálogos irônicos. Parece que Allen aceitou o fato de que ele não pode mais ser o galã de seus filmes, que não cabe, que fica inacreditável. Reservou-se o papel de mentor e ficou perfeito nisso.

A história nem vale a pena ser contada, você já viu algo igual em outro filme dele. Mas, como Luis Fernando Veríssimo já dizia em mil novecentos e setenta e poucos, o humor de Woody Allen vem dos “stand-up comedies”. Por isso a história, os formatos, os ângulos de câmera, as longas tomadas para os diálogos recheados de piadas, as fontes nos créditos, a disposição em ordem alfabética dos atores, tudo pode ser igual, mas seu humor é novo. Renovado.

Há bolas fora, sim, há. Você, mais exigente, menos cego, achará aos montes. Mas eu não vou falar nada deles. Para mim, basta dizer que é o melhor Allen dos últimos tempos.

sexta-feira, 2 de julho de 2004

Teoria da Conspiração

Tem gosto, jeito e cheiro de teoria da conspiração. Mas pode não ser. Apenas fiquei encabulado com uns pensamentos que tive por esses dias. Porque as respostas para perguntas aleatórias que me fiz sempre tinham a mesma resposta.

Quem é o proprietário do mais recente sucesso / hype da internet (novidade esta que você preenche com todos os seus dados pessoais, informações profissionais e um mega etc)? Quem vai fornecer um serviço de e-mail de um gigabyte? Quem é dono da melhor ferramenta de busca na internet?

Poisé meu caros, segundo esse meu raciocínio simplista, o vilão da história chamada futuro não será a AOL, Microsoft, Time-Warner nem mesmo a Globo. Mas ele, o próprio, primeiro e único, o famoso, o inigualável, o inimitável Google.

Com a quantidade de informações que eles já são capazes de filtrar, sem que para isso os tenhamos ajudado, já é para se assustar. (Já pesquei conversas dentro de listas de discussões – algo que, na teoria, deveria ser privado.).

Agora lembre do Orkut: febrezinha sem nenhum motivo ou sentido que se vende como a real “aldeia global”, com comunidades para todos os gostos e que para participar deve-se preencher um cadastro (eles tiram tanta onda que nem obrigam a você a colocar todas as suas informações, só as mais importantes) com dados sobre sua vida particular, seus gostos, seus anseios, sua situação trabalhista, seus amigos e muito, mas muito mais.

Pense agora nesse tal de Gmail que mudará de maneira polar o serviço de e-mails. Com tanto espaço de armazenamento, ninguém necessitará apagar os e-mails que recebe, pelo menos não com tanta freqüência.

Daqui a pouco, o seu perfil, e suas correspondências pertencerão a uma única empresa. Ou seja, suas informações serão monopolizadas. E isso não é chute, é somente o óbvio. O que eles farão com essas informações é exatamente onde nasce a teoria da conspiração.

O meu chute, o que me parece mais provável, é que nessa ficção chamada “futuro”, aconteça o que um camarada meu (Abel) já sugerira: teremos sempre dois computadores em casa, uma para ficar sempre ligado na rede – e cujas informações não mais te pertencerão, mas a todos que quiserem vasculhar-lhe – e outro de uso particular, privado, que nunca deverá ser conectado diretamente à internet.

É sobreviver para desmentir / comprovar.

quinta-feira, 1 de julho de 2004

LOS SEBOZOS POSTIZOS

Não há muito que dizer além do óbvio de que a banda estava afiadíssima, com uns graves impressionantes, abusando dos ecos, navegando tranqüilamente no terreno do dub, do samba-rock jorgebenjorgense, fazendo um reggae nada simplista, mixando as próprias influências do mangue-beat, e travestindo cada música que eles interpretaram em próprias. Algo simples, como se pôde ouvir.

O ponto-fora da reta fica para o Jorge do Peixe, nos vocais. O sujeito é sensacional como letrista e líder de banda (no caso a sua Nação Zumbi). Mas parece que os cargos de vocalistas e frontman, herdados no meio da surpresa pela morte de Chico Science, ainda não se adequaram perfeitamente ao seu estilo.

(Para melhor exemplificar seu problema vocal, bastou Black Alien ser convidado e subir ao palco para escutarmos alguma voz saindo dos microfones. Há outros dois pormenores dignos de nota durante a canja do ex-Planet Hemp: ao se apresentar pela primeira vez, um doidaço com os olhos vermelhos de, digamos, muita fumaça, tentou também mandar o seu recado. Situação constrangedora. Delicadamente um dos seguranças tirou o rapaz. O outro foi ao final, um pouco antes de terminar o show, quando Black Alien assumiu uma persona ragga, que se encaixou à perfeição no som jamaicano que los Sebozos estavam levando naquele exato momento. Espetacular e raro em terras brasilis).

Outro detalhe a atentar é que quase nunca descobria a música que era executada. Os motivos são fáceis de apontar: a) terem feito covers dos primeiros discos de Jorge Ben, com músicas nem sempre extremamente conhecidas – com belíssimas e gratas exceções; b) tocarem com extrema diferenciação das originais (Umbabarauma, e aquela do “o telefone / tocou novamente...”, por exemplo, só fui identificar no meio); c) e ainda possuírem um vocalista que fica muito a dever ao resto da banda. Só quando ele cantava algo e os instrumentos estavam calmos é que podíamos escutar alguma letra.

Mais valeu ainda muito a pena assistir aos integrantes de Nação Zumbi, junto com um sujeito do mundo livre s.a. e outro fulano na parte eletrônica, sob o pseudônimo totalmente Recife de Los Sebozos Postizos, fazendo essa “noite do Ben”. Quem quer / puder conferir, aconselho.

Serviço:

Teatro Rival.
Quinta-feira, hoje.
20 horas.
Dez reais com carteirinha, vinte sem.