quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

Carnaval cinematográfico

Nada de espetacular aconteceu comigo. Apenas segui o conselho do meu trabalho e apertei o botão de 'off' na folia e o de 'on' no cinema. Vi quatro filmes, contando com o de ontem. Três em casa, um na sala escura. Todos diferentes entre si, até mesmo em nacionalidades. Sem pormenores a acrescentar:

Esse obscuro objeto do desejo - Mais uma parceria do Buñuel com o ator Fernando Del Rey. É surreal nos detalhes. Há duas mulheres interpretando a protagonista, uma quieta, melíflua, extremamente francesa no que estas têm de comportamento blasè. A outra fogosa, dançarina típica de flamenco, voluptuosa, espanhola nos seus comportamentos mais arquetipais. Claro que toda a produção vive entre Paris e Sevilha. Mas a personagem principal feminima muda de atriz assim como quem muda de comportamento. Se ela vai ser mais incisiva, usa-se a espanhola. Se quer ser mais carinhosa, é a francesa que é utilizada. Inclusive isso contribui para a sensação de estarmos vendo um sonho filmado. Daqueles que tentamos alcançar um objetivo e ele nos é negado até a manhã do dia seguinte. Os detalhes tipicamente inexplicados e necessariamente surrealistas contribuem para isso. Consegue passar bem entre a agonia e a comédia leve. Conduz-lhe por toda a projeção, com suas mudanças de tons, sem que isso se torne cansativo, pelo contrário. Como se tudo fizesse um sentido enorme, para o mundo fora dos sonhos. Extraordinário.

Roma, Cidade Aberta - O que dizer além do óbvio? É um clássico. Sem querer repetir-me: o filme não envelheceu e até hoje pode ser visto por qualquer pessoa que tenha a cabeça um pouquinho mais aberta. Não faz parte, nem de longe, daquele clichê bobo que diz que filmes dos grandes diretores devem ser bons, independente da qualidade. Ou que devemos relevar a época em que foi filmado. As abordagens são feitas de maneira pesada e até forte demais para os padrões atuais - num fuzilamento, a câmera não desvia. É extremamente cruel e pessimista - todos os heróis são mortos. Num pequeno documentário sobre o Rosselini, que há nos extras, Truffaut (um dos franceses que têm o italiano como ídolo) conta que o mestre do Neo-realismo é um averso à ficção. Seus filmes são quase documentários com atores. Há uma cena, especificamente, que ele utilizou prisioneiros alemães para interpretar os soldados germânicos. As mulheres italianas que aparecem no momento não estão interpretando. Elas choram verdadeiramente. Está, com certeza, entre os maiores filmes já produzidos na História.

O homem errado - Há uma fase do Hitchcock que ele aceitava qualquer história na tentativa de produzir outro sucesso. Esta 'baseada em fatos reais' deveria parecer surpreendente, ou pelo menos dar uma sensação de suspense. Nada. Tem-se um dos temas mais queridos por Hitch, o sujeito que está no lugar errado, ou na hora errada, ou apenas se parece demais com a pessoa errada. Entretanto, a forma de abordar, muito parecido com o que aconteceu de verdade, não traz nenhum interesse do meio para o fim do filme. Já se sabe o que vai acontecer e, se o mais improvável for realizado, dá-se de ombros, tamanha é a identificação com as personagens. No último terço do longa eu devo ter olhado para o relógio umas quatro vezes.

Mar Adentro - Se até agora, todos os filmes comentados têm, no mínimo, 15 anos, este ainda nem estreiou no Brasil. Do mesmo diretor de 'Os outros', Alejandro Amenabar, com o conhecido ator Javier Bardem, a sinopse desta produção me fez imaginar algo extremamente chato. Rapidamente: um tetraplégico decide praticar a eutanásia, mas na Espanha (apesar de ser um Estado laico) ela é contra a lei, por motivos de ordem religiosa, como afirma um advogado no filme. Contudo, o longa foge do enfado muito por causa do protagonista, Ramon Sampedro, que é extremamente irônico e amável, fazendo piadas sobre tudo a sua volta, inclusive a sua vontade de morrer. Ele acredita que, mesmo não julgando os outros tetraplégicos, não vive dignamente. Envolve, sem fazer esforço, todos que o conhecem, não por pena, mas por identificação com a causa. A discussão proposta pelo filme é muito boa, sem ser didática ou piegas. Viver, como diz um slogan dos partidários da causa de Ramon, não deve ser uma obrigação. Já assistir ao filme deveria.

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