sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

Filmes de elevadores e filmes com alma

São quase antagônicos. O primeiro funciona como a versão audiovisual para a idéia de música de elevador (cujo expoente máximo é a Sade) que, a grosso modo, seria aquela canção que não incomoda ninguém e que também não desperta emoções absurdas. Qualquer um a ouve, sorri sem graça e se dá por satisfeito. A irmã, ou mãe geralmente gosta.

Filmes com alma utilizam assuntos mais pesados e a forma de lidar com eles é mais drástica; há uma preocupação dramática maior.

Claro que isso não quer dizer que um é melhor que o outro. Pelo contrário. Apenas são temáticas inventadas há poucos instantes e por mim, e, como tais, podem conter exemplares bons e ruins, além de possuírem uma formulação estrutural da consistência de uma gelatina.

Geralmente os filmes de elevador não desagradam a ninguém, salvo apenas àqueles mais exigentes, que discordam da máxima que cinema é a maior diversão, e àqueles que estão viciados na adrenalina injetada no sangue pela produções com explosões e coisas do gênero. Já os com alma, podem chocar, o que se não for gratuito, é sempre bom. Mas também podem enjoar quando é apelativo, exagerado, over.

Introduzido isto, entremos no fato em si. Do primeiro grupo pode-se dizer que são exemplares o americano 'Sideways', e o brasileiro 'Meu tio matou um cara'. Do segundo, 'Ray', de Taylor Hackford, o mesmo diretor de 'Advogado do Diabo'.

Sideways (cujo título em português é o infame 'Entre umas e outras'): após a projeção, é provável a procura pelo porquê. Por que o Alexandre Paynes fez esse filme? Então, basta lembrar o seu anterior, 'About Schmidt' e percebe-se que o estilo de Paynes é falar sobre o cotidiano - ou sobre a estrada - e, daí, tirar alguma coisa interessante. O problema é que fica só no 'alguma coisa'. Sim, há cenas memoráveis, mas no todo é aquela história: chove sem molhar, não faz sexo, mas não deixa de tentar.

Meu tio matou um cara: O rei dos títulos originais, o gaúcho craque nos curta-metragens, que tinha se saído dignamente em 'Houve uma vez dois verões' e em 'O homem que copiava', fez um telefilme. O estopim do filme de Jorge Furtado entitula o longa. E, quando descobrimos isso, aos cinco minutos do primeiro tempo, parece algo tão corriqueiro, tão comum, tão banal, que só falta que alguém pergunte se o tal tio quer um chá para acompanhar os biscoitos. Às interpretações falta sangue. A naturalidade é escassa. Parece, em alguns momentos, um seriado de TV americana.

Não, não esqueçamos que o tal assassinato era apenas um desculpa para o filme em si, a história de amor entre dois adolescente. E, então, percebemos que havia como não errar. Mesmo que o Duca esteja completamente deslocado naquele mundo, pareça um peixe fora d'água (engole-se isso como um exotismo ou porque ela é o único negro do seu ambiente social). A historinha entre os meninos é muito mais divertida que todo o resto. Aliás, os adultos (com exceção da Deborah Secco que não intepreta, por isso não está nada má) estão todos horripilantes. De dar medo. O Lázaro Ramos é risível. Enfim, seria excelente ver o 'Meu tio...' no máximo, de tarde, em casa, num dia chuvoso de folga e olhe lá.

Ray: Pode-se dizer que ele exagera na palheta de cores quando retrata a infância pobre na calorenta Flórida, ou que o final é ridículo de tão piegas, mas a escolha de falar da vida junkie de Ray Charles Robinson é bem interessante. Por um lado me lembrou - em temática e escolha, nunca na sobriedade - 'Bird', o filme do Clint Eastwood, sobre o Charlie Parker. Mas se este era extremamente desorganizado e levava uma vida sem regras e sem ordem, aquele conseguiu lidar bem com o vício, na medida que nunca atrapalhou, conforme o filme retrata, a sua organização. Há um detalhe que afirma que Ray nunca se atrasou para uma gravação.

Vale dizer que o problema de 'Ray' é exatamente o oposto do dos filmes de elevador. Para tentar achar o drama na vida do cantor, pianista e compositor, cego desde os sete anos, exalta-se em demasia os tormentos de sua alma. Nos outros, não quiseram / não puderam esquentar o clima.

Já estou arrependido das metáforas criadas. Acho que as figuras de linguagem melhores aplicadas nesses casos são as culinárias. De um lado exagera-se no tempero. No outro, o caldo é insosso. Simples assim.

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