quarta-feira, 20 de julho de 2005

Anticapitalista

Lembro de duas formas de castigo que minha mãe me dava involuntariamente. Uma delas era marcar horário no salão de beleza. Outra, quando íamos visitar meu vô, que mora na rua Teresa, em Petrópolis, lá no Alto da Serra, acompanhá-la na subida. Ela entrava em cada buraquinho disfarçado de loja perguntando sobre preços, tamanhos, estilos, cores, etc... Para percorrer um percurso de 1,5 km, no máximo, demorávamos três, quatro horas até.

Não sou freudiano ao ponto de achar que a minha aversão completa por compras de qualquer natureza venha daí. Mas, seria curioso colocar todo o meu comportamento num "trauma de infância".

O certo é que tenho verdadeiro HORROR às atitudes simpáticas de vendedores. São sempre os seus melhores amigos, mesmo que vc o tenha conhecido há poucos instantes. Sabem o que fica melhor em vc, ou o que é o melhor para vc.

É o arquétipo da falsidade. Eles pouco se importam com a sua opinião. Perguntam o seu nome simplesmente porque a conduta da loja acha que assim vc, comprador-otário, vai se sentir sendo atendido por um camarada. Então, o sujeito (ou a sujeita) estampa os seus dentes, faz caras e bocas, opina, puxa conversa, ri das suas piadas sem graça, enfim, tudo para vc se sentir tão à vontade que, por que não?, compra mais um pouquinho, gasta além daquilo que vc está disposto.

Trabalhei apenas uma vez sozinho nos EUA de garçom. Foi uma das experiências mais ridículas da minha vida. Talvez tenha sido um dia ruim, não tenho como fazer uma amostragem para saber que todo dia seria daquele jeito. E, também, como estava debutando, é claro que tudo era pior, ou pelo menos, superdimensionado por mim.

Houve diversas cenas vexaminosas, mas uma em específico funciona exemplarmente.

Um garoto extremamente mirrado entra no restaurante, roupas largas, boné para trás, malandro hip-hop americano. É acompanhado de um amigo e duas meninas e roda a chave do carro no dedo. É claro para mim que ele não tem 18 anos e fico na dúvida se ele tem os 16 necessários nos Estados Unidos para dirigir. Como havia aprendido, aproximo-me, entrego-lhes os talheres, igual ao manual, pergunto se querem beber alguma coisa e não entendo o que um deles responde. Inquiro novamente e logo ele percebe que não sou americano.

Pergunta-me: "vc é de onde?". "Brasileiro", respondo. E a partir daí qualquer das minhas falas é motivo para ele rir sem parar. Como se eu fosse um miquinho amestrado que ele mostra para as suas amigas. Viro a chacota. Tudo é razão para galhofas. Pede-me para falar um palavrão na minha língua e acha estranho quando não quero falar. Insiste tanto - e eu pensando no manual "o cliente sempre tem razão" - que pronuncio. Não me lembro o quê. Ele continua: quer a tradução. Para mim é humilhante demais. O meu sorriso sai, o meu maxilar fica imóvel. Ver um moleque completamente ignorante da minha situação querendo se exibir para suas meninas chafurdando em cima de mim é a minha completa desgraça.

Eu sei que qualquer um que ler o parágrafo acima pode achar minhas reações exageradas. Não quero que se comparem nem se coloquem no meu lugar. As palavras talvez não traduzam totalmente a situação por demais escrota. Provavelmente faltem detalhes para demonstrar por completo o ambiente em que tudo estava inserido. E, principalmente, considero que há diferenças de opiniões quanto às humilhações. Considero-me bastante suscetível a esse tipo de incidente.

A minha intenção, entretanto, é outra. Apenas demonstrar o meu total ASCO nas relações de venda de uma maneira ampla - tanto de um lado quanto de outro do balcão - e geral - nada contra um vendedor em específico. Assim como, por exemplo, tenho ABSURDAS restrições aos médicos, mesmo que considere alguns, em específico, de tamanha importância, vendedores se comportam de um modo (falso) que é o oposto daquilo que concebo como ideal para a minha vida. Por mim, morriam de fome.

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