sexta-feira, 22 de julho de 2005

Série personagens fictícios

capítulo 2: a policial

Bianca, apesar do nome, tem a pele morena. Os cabelos negros, as feições abrutalhadas, o nariz adunco e as sobrancelhas espessas. O corpo é bem feito: seios fartos, cintura fina, bunda generosa. É impossível não percebê-la em qualquer ambiente, seja pela opulência ou pela impetuosidade.

Rouba qualquer cena. Fala alto, não se importa com olhares. Sente-se segura, confia em si, em alguma coisa dentro dela, ou no coldre dentro da bolsa, e não esmorece ante os críticos ou aqueles que prezam pela discrição.

Em certos momentos, atinge a grosseria. Conversar com ela é complicado porque entremeia as frases com insultos gratuitos. Parece um menino, no sentido mais masculinizado de tal comparação, sem ser lésbica. É abrutalhada no tratar com pessoas. Ao cumprimentar, dá tapas nos ombros. Não sorri, gargalha. Exagera nos atos, esbarra nas pessoas sem pedir desculpas. Não fala, grita.

O último namorado, arranjou na corporação. Já terminaram, ele acabou. Mas quando ainda estavam juntos, Bianca amolecia. Até hoje, ao avistá-lo, transforma-se num canário recém-nascido. Desprotegida, inocente, perdida. No relacionamento, ele mandava, ela obedecia. Sem discussão. Ela se transformava por completo. Não interagia com os amigos da faculdade noturna de direito, finda a aula, ia embora. Sem conversa, sem chopinho. Passou longos períodos sumida.

O pai era também policial. Bianca adorava ir ao jardim zoológico com ele nos fins de semana. Ou brincar no play do prédio. Ou ainda quando ele a levava no colégio. O pai, apesar de todos os contratempos, era extremamente dedicado às duas filhas. Trabalhava demais, mas sempre conseguia reunir forças para poder ir à praia com elas, por exemplo. E fazia questão de almoçar em casa, à mesa, com toda a família reunida, as vezes que podia.

Ao ficar um pouco maiorzinha, Bianca acostumou-se a esperar o pai na sala, deitada no sofá. Quando ele demorava a chegar, chorava. Sofria aos poucos. Primeiro era quase um mio imperceptível, baixinho, mas que aumentava de intensidade enquanto o pai não aparecesse. Todas as noites eram iguais: quando ela ouvia a maçaneta da porta, corria pela sala e, num pulo, se agarrava ao pescoço do pai.

Num dia longo, porém, ela não parou de chorar.

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