sexta-feira, 2 de setembro de 2005

Série personagens fictícios

capítulo 6: No ponto de ônibus

Descrever Alex não é uma tarefa simples. Principalmente porque ele é um sujeito comum, que se disfarçaria no meio da multidão se transformando em massa. É baixo, magro do tipo esmirrado, usa óculos e os cabelos, agora, quando beira os 40 anos, estão ralos. Talvez, o que jogue os holofotes nele seja o hábito friorento de usar casaco com freqüência. Mora perto de minha casa e já o encontrei diversas vezes encapotado quando fazia um razoável calor nas ruas. É até curioso: eu, de bermudas, ele, de mangas-compridas.

Agora, se tentássemos descrever a personalidade de Alex, poderíamos gastar páginas e páginas e talvez não daríamos conta de tantas excentricidades. Aliás, o fato de usar casaco com demasiada freqüência aponta muito para esse perfil. Reparem: ele é hipocondríaco, inseguro, só saiu da casa da mãe quando ela morreu - há pouquíssimo tempo; tem poucos amigos e é demasiadamente metódico.

Recentemente, porém, aconteceu um fato curioso na vida de Alex. Ele me contou dias desses, quando estávamos no ponto.

Alex estava no mesmo local, num domingo, esperando o ônibus. Falou-me que usava roupas do mesmo gênero, ou seja, uma calça cáqui, camisa bege e um casaco largo marrom. Carregava um livro para ler no caminho e, como sempre acontecia, estava desligado do mundo. Então uma mulher muito bonita, vestindo-se sensualmente se aproximou dele. Alex ficou tenso. São raros os casos de mulheres que se aproximam dele. Ela foi sutil:

- oi.

Ele ficou nervoso, gaguejou, não sabia onde colocar as mãos, em que direção olhar, desviou dela rapidamente, mas depois que percebeu que era com ele mesmo, não teve outra saída senão respondê-la:

- oi.

Ela continuou:

- Que livro é esse?

Alex não sabia o que responder, a situação era por demais inesperada. Vacilou o título:

- "Cuca Fundida"

Ela engatou novamente:

- E é legal?

Alex foi mais rápido dessa vez. Pigarreou, abaixou e levantou a cabeça em seqüência:

- É, até agora está sendo, pelo menos.

- Sabe, é que, você não vai acreditar...

Ele sussurrou: "Eu já não estou acreditando"

- O quê?

- "Nada" - rápido.

- Bem, é que, sabe, eu te vi assim, parado, cara, é louco demais, você não vai acreditar...

- Pode falar, pior do que está, não pode ser...

- Olha, eu te achei, eu acho que, a gente, nós, é, nós poderíamos nos conhecer melhor...

- Bem... Não sei...

Ela arregalou os olhos: "O quê?"

- É que... Bem, eu não quero que você me entenda errado...

Incisiva, mas delicada: - Pode falar!

- É que, a gente, nós, nós, isso, nós acabamos de nos ver, aqui, num ponto de ônibus. Você não quer que eu acredite nisso, né?

- Mas, peraí, você está entendendo tudo errado. Vamos começar do início. Qual é o seu nome?

- Alex.

- O meu é Monica. Prazer.

Ela se esticou para dar-lhe dois beijos, ele ficou perdido novamente. Foi Monica que voltou a falar:

- Agora, poderíamos falar, conversar sobre qualque assunto. Eu te vi aqui, parado, com esse livro e esses óculos... Nossa, o que é que eu to falando? To meio louca, desculpa, to sem graça.

- Olha, eu acho que você está confundindo as coisas. Você não deve pensar que pode chegar assim, sem mais nem menos e vir com conversinha, falar qualquer coisa. Vocês, mulheres, pensam que são quem? Que só porque durante eras os homens correram atrás de vocês, agora podem também caçar? É isso?

- Não é nada disso...

Ele se exaltou: - Será que você está nesse exato momento me vendo como uma presa? Alguém que você deve abater? É isso? Sou apenas alguém que você conhece no ponto de ônibus, usa e depois joga fora?

- Você é um neurótico, vou-me embora...

- Isso, vai sim, prova que você não queria nada sério comigo. Queria apenas se aproveitar da minha situação aqui, desprotegido, quieto, sem nenhuma segurança...

- Você é louco...

Monica pega o primeiro ônibus que passa enquanto Alex continua falando em altas vozes para a janela fechada do carro:

- As mulheres, depois da revolução sexual, acham que podem fazer qualquer coisa. Não respeitam ninguém. Daqui a pouco, se transformarão em predadoras violentas. Exigirão do homem que mantenha-se ereto apenas para a satisfação dela...

Quando o ônibus sai, Alex pára de falar. Ele arfava. Estava possesso, fora de si. Mas, como o seu ônibus demorou, ele foi se acalmando. Encontramo-nos logo depois e ele se lembrou dos pormenores para me contar. Ou, inventou algumas partes, para ficar mais interessante. Sei que foi essa a história que ele me contou. Nunca saberemos ao certo.

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