sábado, 9 de janeiro de 2010

Por que escrever (outras sugestões)

"Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também." (página 42 do "L. do D.", de Bernardo Soares, a.k.a Fernando Pessoa, publicado em São Paulo, 2009.)

Apesar de não afirmar nesse trecho o motivo por que escreve, Pessoa nos deixa mais tranquilos sobre a utilidade da escrita: nenhuma. Deve-se escrever com uma saudável indiferença em relação ao seu futuro, ou como o texto será recebido. Não é um pensamento superior, de não se importar com as opiniões dos demais, mas a certeza de que não é esse a real intenção para se escrever. As críticas existirão se tiverem que existir, parece afirmar. Ele é bem claro sobre não se mostrar pairando nem sobre nem sob os demais. Coloca-se no meio de todos. É apenas mais um, que sabe escrever e escreve - aí, sim, há uma razão - para passar o tempo. Para sossegar, diria eu.

Mais simples e conciso é o mexicano Octavio Paz, em seu "O arco e a lira", que comprei na rua por módicos R$ 5 e me disseram valer mais de R$ 70 em sites de livros antigos. Na primeira frase da "Advertência à primeira edição", ele já é claro:

"Escrever, talvez, não tenha outra justificativa senão tratar de responder a essa pergunta que um dia nos fizemos e que, por não ter recebido resposta, não cessa de nos aguilhoar." (página 9 da edição de 1982, publicado no Rio.)

Continuo a buscar, portanto, essa resposta.

2 comentários:

diogofelix disse...

Acho que a maioria escreve para se sentir bem, não por causa da opinião alheia, mas por ver o resultado assim como ele é, e talvez exista um pouco de narcisismo nisso. É como correr (ou nadar, se você preferir), o durante é sofrido, mas assim que você completa o exercício, a sensação é maravilhosa. Quando vejo meu texto acabado, me sinto assim também. Mas é verdade que às vezes me sinto como aqueles pregadores do Centro do Rio que sobem num banquinho e ficando gritando palavras às quais ninguém dá a mínima.

CNC disse...

Eu ainda não sei. Estou mais para a definição do Octavio Paz. Mas a proposta do Pessoa me deixa mais tranquilo em relação ao que esperar do escrito. Antigamente, pensava que tudo tinha que ter um sentido, uma razão, um motivo e um porquê. De preferência, um de cada um. Agora, escrevo apenas porque escrevo.

Curiosamente se não escrever por muito tempo, fico de mau humor. Talvez tenha alguma química envolvida e no fundo seja a mesma coisa que você falou, só que por caminhos diversos. Não vejo como um orgulho o fim da escrita, mas o seu início - e nem percebo direito o bem que ela me faz. Mas isso já é viagem.

Abrazzz