segunda-feira, 29 de março de 2010

A leitura e as leituras de "O senhor das moscas"

O melhor momento para falar sobre um livro é quando ainda estamos no meio dele. A empolgação está no ponto máximo e você não corre ainda o risco de estragar o prazer dos outros com spoilers sobre o fim. Essa é uma teoria minha, mas você pode repeti-la por aí, sempre citando a fonte, claro. (Bem provavelmente, para falar a verdade, essa proposta já deve ter sido desenvolvida por alguém mais graduado que eu.)

Isso tudo para dizer que "O senhor das moscas", do inglês William Golding, é tudo isso que falam, mesmo. Entretanto, estou sofrendo de um problema identificado pelo argentino-naturalizado-canadense-que-vive-na-França Alberto Manguel. Em seu "Os livros e os dias", que eu também estou petiscando nesse momento e aconselho muito para quem, como eu, gosta de livros sobre livros, Manguel fala do seu reencontro com 12 obras que marcaram muito a sua vida. Entre elas, "A ilha do doutor Moreau", do mestre H. G. Wells, que ficou conhecida na minha geração pela adaptação estrelada por Marlon Brando (e que você pode ler aqui). Diz Manguel que não consegue, agora, ter uma leitura simples da história. Sempre faz referências, busca sentidos ocultos, corre atrás das duplas interpretações, atina para o subtexto e para as metáforas. A aventura fica em segundo lugar.

O mesmo acontece comigo com "O senhor das moscas". Para começar pelo fator principal: um bando de criança perdida numa ilha deserta. Santiago Nazarian, que escreve o prefácio da edição que eu tenho, a de 40 anos da Nova Fronteira, lembra que esse mote de ilha deserta não é novo, dando como exemplos "Robinson Crusoé", de Defoe, "A lagoa azul", para os que assistiam a "Sessão da tarde" e, para os nativos do século xxi, "Lost". Só isso, já começa a pipocar o cérebro com referências. "Top secret", por exemplo, faz uma piada de "A lagoa azul". E mesmo "Lost" tem muito a ver com "O senhor das moscas", com a devida diferença de idade sendo respeitada, claro.

Mas isso não seria problema. A questão é que não consigo ler a obra de Golding sem pensá-la como uma metáfora para os seres humanos em geral. Seria como se Golding tivesse feito uma maquete do mundo, em escala reduzida, tanto no quesito do espaço, quanto na opção da maturidade dos seus participantes. Mas, de certa forma, os meninos se dividem na tal ilha como os homens pela Terra. Com seus medos, neuroses e coragens, além de uma organização falha que não prevê a irracionalidade e a vontade como força motriz de todas as nossas ações.

Os personagens principais, nessa interpretação, seriam arquétipos dos humanos. Mas, acentuando o caráter infantil de suas personalidades. O líder que não consegue comandar a turba revolta. O "intelectual", que não sabe se impor e é sempre ridicularizado. O caçador, que quer resolver todas as questões pela força. O medo do oculto, das forças que estão acima deles, que representaria a religião.

Isso tudo passa pela minha cabeça quando o que eu queria era apenas acompanhar a aventura desses meninos perdidos numa ilha deserta. Ficar espantado quando eles ficarem, feliz com suas descobertas, ansioso pelos perigos a enfrentar. Tudo bem, não acho que é um problema muito grande para uma história que foi vendida como "alegórica".

"Lord of the flies" foi adaptado várias vezes para o cinema:


Versão de 1990



Versão de 1963

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