segunda-feira, 18 de outubro de 2010

'A tortura do silêncio' de Hitchcock

Eu confesso, Alfred Hitchcock é um escroto. Desses que hipnotizam quem quer que assista a qualquer um de seus filmes. Aconteceu comigo ontem, domingão, após almoço farto, o sofá convidativo, liguei a televisão só para constar e peguei o jornal para ver as mentiras do dia contra a Dilma e a favor do Serra. Eis que me deparo com "A tortura do silêncio" ["I confess", no original], do inglês no TCM e resolvi deixar, apenas para fazer um barulho. Resultado: não consegui mais ler jornal nem fazer nada além de assistir até o fim o filme, com Montgomery Clift e Anne Baxter, de 1953.

Começa o longa bem no estilo de Hitchcock. Mostrando onde estamos [Quebec] e o que está acontecendo [um assassinato]. Em seguida, sem saber quem é o assassino, o vemos descer um rua escura. A primeira impressão é que será um filme sobre "quem matou?", mas aí não seria um Hitchcock. Ele já disse que, para criar suspense em cenas, gostava de mostrar os dois atos acontecendo ao mesmo tempo e alongando a duração da tomada. Foi o que fez. Logo em seguida vemos o rosto do assassino se confessando a um padre [Clift] - daí o título original - e percebemos a natureza do filme. Será um embate entre a Justiça dos homens versus a Justiça divina.

Mas, eis que, quando você está já se aclimatando a essa nova moral da história, e quase voltando a ler o jornal, Hitchcock te dá outra rasteira. O padre já teve uma namorada [Baxter], com quem se reencontrou recentemente. E ela, por sua vez, era chantageada exatamente pelo fulano assassinado. [Nova] Moral da história: o padre se torna o principal acusado.

Que o Hitchcock tem essa capacidade de mudar o ritmo das histórias, no meio do caminho, já é sabido por qualquer um que assistiu a "Psicose". Mas ainda não deixa de causar muita surpresa a quantidade de reviravoltas que ele dá em tão curto espaço de tempo. Percebemos o padre se afundando, se complicando, e nos perguntamos se ele conseguirá aguentar toda a pressão ou vai quebrar os votos religiosos de confissão para... confessar quem é o verdadeiro assassino, acabando assim com a própria pena. Conforme vamos avançando na história, vamos descobrindo mais informações sobre os personagens, que mudam a forma de encará-los, para concluir num final apoteótico e, como não poderia deixar de ser, surpreendente.

Mesmo que a obra seja baseada em um a peça, não tiro o mérito de Hitchcock por - antes de mais nada - ter escolhido esse tipo de argumento original. E por não tê-lo transformado em um filme sobre, simplesmente, um assassinato.

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