domingo, 26 de setembro de 2010

Bastidores do Festival do Rio

- Pilar del Río, mulher de Saramago, é uma mulher enérgica, belicosa até. Faz o tipo PSTU de querer acabar com as desgraças do mundo e nunca dar um sorriso de trégua [PSTU não tem humor, PSOL, does]. Uma cena representa bem seu perfil.

Miguel Gonçalves Mendes, diretor do delicado - e longo - documentário sobre ela e o marido, chama a assistente para entregar-lha metade de sobra do pequeno sanduíche que comera. Pilar, como só uma mulher que não teve filhos pode agir, dá uma bronca nele, maternalmente, como se ele tivesse que comer tudo. Tento brincar, aproveitando a fama dela e do marido de esquerda, e digo que é por uma questão de comunismo, que ele quer dividir. Ele ri, ela leva a sério e diz que não é, que ele não come nada, nunca. Insisto [sim, o erro é meu], dizendo, então, que Miguel está preocupado com a forma física, porque está no Rio. Ele gargalha, ela me fulmina com um olhar, chamando-me, sem abrir a boca, de imbecil, para baixo. Como disse um amigo meu, cansa.

- Gostei do filme do Jabor, como a grande minoria. Nem ouvi os argumentos dos muitos que reclamaram. Mas, achei curioso a reação de uns amigos ao contar-lhes um detalhe do filme. Na hora tiveram a mesma sensação que eu tive, de reconhecimento. O pipoqueiro Bené, vivido José João Miguel [ato falho, parece], que conta suas estripulias sexuais para os moleques é um personagem comum na vida de quem veio do subúrbio - o que, no Rio, é qualquer lugar fora da Zona Sul, e, agora, Barra. Todos esses amigos eram dessa "periferia" e reconheceram alguém que fazia as vezes de Bené. Fosse um sorveteiro, um irmão mais velho de um amigo, o garçom do botequim.

O filme do Jabor é nostálgico. Ele fala sobre um Rio de Janeiro que nunca existiu, que ele criou para si e o revive constantemente. O curioso é quando ele consegue uma conexão nostálgica com quem assiste.

E, como se sabe, gostar é uma das formas de se reconhecer.

- Acho que o Michael Madsen força aquela voz rouca para parecer mais durão. Mas, com um senso de autoironia difícil de se encontrar, ele mandou uma frase lapidar, ontem: "To be tough is tough".

sábado, 11 de setembro de 2010

Limitação da lógica

Flusser fala da limitação do conhecimento lógico (científico) diante do pluralismo e da complexidade do real. De que mais a literatura parte, senão da constatação de que só a liberdade interior e a fantasia nos dão acesso a zonas da experiência que, de outra forma, nos escapariam? A literatura diz aquilo que ninguém mais consegue dizer, afirma Flusser. A poesia diz o indizível. Diz o que só ela pode dizer. Não é superior, nem inferior, a outras formas de saber. Mas avança em um caminho solitário, onde mais ninguém ousa pisar.
Não é exatamente isso que eu estava falando?

[José Castello, daqui.]

O Diabo

O Diabo: de Primeiro Rebelde a Grão-Malvado

Não há uma conduta que possa ser considerada crime ou mesmo imoral em qualquer cultura. Somente a desobediência à norma possui a universalidade necessária para tamanha popularização do mito. ... Lúcifer não foi um homicida serial, um sádico torturador ou um maníaco sexual. Nenhuma destas condutas o teria tornado o símbolo da maldade. Lúcifer desobedeceu a uma norma; desafiou o poder hegemônico; recusou-se a obedecer àquele que tudo vê, tudo sabe, tudo pode. É isso que faz dele o símbolo da maldade. ...

A rebeldia se transforma em maldade. Paralelamente a esta transformação simbólica do arquétipo da resistência em símbolo da maldade, ocorre também a transformação do arquétipo do controle no símbolo da bondade. Deus é bom, por inventar as normas. A bondade é corolário do poder, do saber e do ver.

O mito da queda de Lúcifer é a passagem simbólica que marca a invenção da ética nas sociedades ocidentais. O bem se confunde com o controle; o mal com a resistência. O mito de Lúcifer é também o mito da legitimação do poder.
Boa definição de Túlio Vianna. Via.