domingo, 10 de abril de 2011

O nascimento da ideia e o discurso

Recebi o vídeo abaixo de uma amiga com o título de "Sinistro". É a palestra de uma neurocientista americana no TED [um formato de evento onde as novidades do mundo são mostradas em ritmo de apresentação de executivos] que narra um derrame que sofreu e como ela ficou impressionada com as diversas reações de seu corpo com a falha de regiões do cérebro que controlavam sua fala, por exemplo. Ela divide, à maneira clássica, o cérebro em dois hemisférios e dá a cada uma das partes uma função bem delimitada, que muito rasa e resumidamente, podemos dizer que seria a emocional e a racional.



O vídeo me voltou à mente semana passada quando percebi o quanto ficava mais organizado o meu pensamento quando eu o colocava em palavras. Quando eu o transformava em discurso. Comecei a imaginar - não pesquisei nada - uma razão para isso, a partir das palavras da neurocientista.

Ela diz que há claramente um conflito gerenciado entre esses dois hemisférios, mas que vivemos com essas duas personalidades opostas, que não por acaso se encaixam, dentro do espaço físico da cabeça, ergo do corpo. Imaginei que é no lado "emocional" que nasce o pensamento, tal qual uma fonte a jorrar água, ininterruptamente. São ideias, sensações, raciocínios, lógicas, aparatos desenvolvidos pelo cérebro para conceber o mundo - nunca interpretá-lo - para nos inserir numa certa lógica, que os gregos chamavam de physis, e nós, por falta de alternativa melhor, diminuímos para natureza.

É uma enxurrada que abarrota os nossos circuitos internos cerebrais com uma quantidade incalculável de imagens, que sobrecarregam nossas sinapses e nos deixam angustiados. É o caos. Imagine uma comporta abrindo para a passagem de água. Somos soterrados por essa avalanche de pensamentos e ficamos reprimidos, tantas as possibilidades de conexões, algumas fazendo sentido, outras completamente ilógicas, umas tendo elementos fantasiosos, outros se baseando na realidade, mas com possibilidades assustadoras. É como uma nuvem de palavras, tal um tag cloud, em que as palavras estão todas presentes, mas não são passíveis de entendimento, como uma grande conclusão.


Ao levar todas essas informações para o lado racional, onde se controla a linguagem, começamos a dar um caminho para essas palavras. Um sentido, metaforica e literalmente. Colocamos as palavras dessa tal nuvem, uma atrás da outra e as transformamos em frases, em argumentos, em propostas. As ideias sempre existiram, mas estavam escondidas ante a confusão generalizada da desordem. O discurso, a fala, a escrita, a língua, portanto, torna decodificável, não somente para o outro, mas para si mesmo, os pensamentos que afloram sem qualquer pedido de licença. 

Não é à toa que os filósofos citam tanto a importância do logos - discurso, mas também traduzido como razão - dentro das suas investigações. Não há preponderância entre o discurso e o nascimento da ideia. O pensamento é a junção dessas duas partes. Uma sem a outra é incapaz de fazer qualquer sentido [novamente ele]. O caos é importante como matéria-prima, mas o discurso o torna inteligível para o próprio falante. Daí também que o processo da psicologia trabalha com a fala e muitos artistas usam de suas lembranças menos agradáveis como origem de suas obras. 

Também não é sem razão que esse lado "racional" controla, ou melhor, percebe o tempo - assim como, inclusive, o espaço. Quando o pensamento brota, não há qualquer hierarquia entre as ideias soltas: elas aparecem num amontoado de informações e não existe como elencar o que vem primeiro ou depois. Ao formular um discurso se cria uma noção de tempo, do antes, do agora, que já passou, e do depois, que está por vir. 

Saber lidar com esses espaços, que não são em nada conflitantes, mas, ao contrário, complementares, é uma lição que há anos os pensadores orientais sugerem. E que os ocidentais, empiricamente, tentam controlar. Quando a balança está pendendo para um lado, chega um novo sujeito e sugere o outro lado, só para contrabalançar. E assim, vivemos, nessa gangorra, onde o ponto-alto é o ponto-médio.

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