quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Romantismo

"Ah o amor. L’amour, l’amore, el amor, love, liebe, αγάπη, حب, maitasuna, каханне, любовь, عشق, 熱愛, tình yêu, אהבה, aşk, ást.  Várias palavras em várias línguas para designar sentimentos parecidos que nem sempre são iguais – mas são traduzidos com o mesmo símbolo: “amor”. Já disseram que não há sinônimos perfeitos. Quem seria euzinha, portanto, para dizer que haveria palavras com correspondentes exatamente iguais em diferentes línguas e culturas? fora.

No Ocidente, no que chamamos de Ocidente – essa área estranha que não respeita necessariamente a geografia, que tem a ver mais com política que com localização –, dizia, no Ocidente, há uma valorização desse sentimento, do amor, que eu não entendo a razão. Ou melhor, entendo, mas não compreendo. Ou melhor, compreendo, mas não gosto do que vejo. E isso ocorre desde o século XIX, suspeito. Por ocasião – levanto essa hipótese – da decadência da igreja como a reguladora do mundo. Um ícone substituiu o outro. Você sabe, as pessoas precisam saber claramente o que devem fazer na vida, para que servem, precisam receber suas obrigações e maneira precisa, de preferência em um livro, para poder retornar, caso tenham dúvidas, precisam se prender a alguma ideal – ideologia? – se não se sentem perdidas, desesperadas, cabisbaixas. Essas coisas. Hoje, quando os horizontes estão cada vez mais esmaecidos, vemos o resultado de uma grande desilusão generalizada. Dizem – não tenho como afirmar se é verdade – que essa desilusão é a causa de doenças como a depressão. Pode ser.

A verdade é que a literatura tem uma grande parcela de responsabilidade nisso, nesse comportamento generalizado, nesse meio de viver, de encarar o mundo de maneira “romântica”. Há um grande culpado, que estava na hora errada no lugar errado, contando as histórias mais açucaradas e sentimentais possíveis: A literatura do século XIX – não por acaso “romântica”. Nessa literatura, vale a pena morrer pela mulher amada. Nessa literatura, a moça espera virgem o homem voltar da guerra. Nessa literatura, o fim é o momento em que eles viveram felizes para sempre [sempre imaginei que isso era uma grande sacada da edição: ao interromper no auge da felicidade, não vemos as oscilações de um relacionamento normal]. É claro que eles também pregavam a luta por uma causa nobre, o engajamento nas guerras justas, a defesa dos mais necessitados. Mas o que mais marcou foi a relação homem-mulher, e o viveram felizes para a sempre. O conto-de-fadas. Vide as novelas que até hoje terminam com cerimônias de casamento.

Antes, era pior, mas as pessoas ainda não liam. Só com o romantismo, que veio apenas com o fim do Antigo Regime, portanto após a Revolução Francesa, que se proporcionou a possibilidade de qualquer um [quase qualquer um] ter acesso à leitura, à escola, ao conhecimento, só aí que o problema se democratizou. A praga se alastrou em toda a sociedade.

Hoje, isso me dá enjoo. E me surpreende que não dê enjoo em todas as pessoas, após anos repetindo a mesma ladainha. O “amor” se tornou a resposta para todas as perguntas. Por que devemos trabalhar? Para ter dinheiro para podermos encontrar a mulher perfeita. Por que devemos estudar? Para poder arranjar uma emprego bom, que nos dê dinheiro para podemos encontrar a mulher perfeita. E, para as mulheres, o papel era ainda mais passivo e simplista. Por que devemos existir? Ora, para casar. E se não casar? “The horror, the horror.” O amor, na vida real, apesar do discurso, se resumia ao ato de se casar. E continua sendo assim para muita gente. A busca pela pessoa amada, pelo par perfeito, pelo companheiro idealizado. Do príncipe encantado. Vocês sabem o que eu estou dizendo.

Tenho um certo pudor em escrever cenas sobre isso. Uma vergonha, mesmo. Como abordar um assunto que já foi massacrado, de todas as maneiras, ao longo de séculos? Como entrar nesse terreno rosa-bebê- vestido-de-noiva, sem cair numa cena kitsch? Como não ser brega? Tenho uma certa inveja do que o Saramago fez em “Memorial do convento”, juntando Blimunda – aliás, ótimo personagem – e Baltasar em poucas linhas, sem qualquer sentimentalismo excessivo.

Evitei,  consegui evitar até agora o assunto. É só reparar no que foi escrito. Nenhuma cena de... [calma, calma, respira, respira] amor. Até a própria palavra “amor” perdeu o seu significado, não concordam? Se antes era algo imponente, profundo, agora é batido, simples, comum, banal. Parece um chiclete que, de tanto mastigado, foi ficando sem gosto, sem gosto, sem gosto, até que hoje não é mais que uma borracha colorida, que algumas pessoas insistem em mastigar por um simples cacoete, por um hábito que não conseguem largar.

Evitei até me ver numa situação... Como não falar sobre as primeiras paixões de um garoto de 15, 16 anos? Como não mostrar como esse menino dá importância para as descobertas amorosas?
[Acaba de me ocorrer que há um problema de amarudescimento entre as pessoas que ainda se mantém românticas, hoje em dia. Elas continuam adolescentes no âmbito dos relacionamentos sexuais.]

E, antes que falem qualquer coisa: não, não sou uma encalhada mal amada. Apenas acho que esse assunto ocupa um espaço superdimensionado na sociedade. Vejo como ele tem diminuído nos últimos tempos – principalmente no quesito que separa o amor do sexo [ainda bem!], mas ainda continua com um tamanho fora de suas proporções.

Se eu pudesse escolher, simplesmente não abordaria esse assunto. “Seria uma covardia” – a minha consciência repete no meu ouvido. “Os problemas – as dificuldades – devem ser encarados de frente”, ela diz. “Estufe o peito e empine a bunda e siga adiante.”

Ah, consciência...  Me deixa porque esse negócio de coragem é coisa de gente romântica."

Nenhum comentário: