quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O obstinado Van Gogh

Se ninguém fez um livro ou filme sobre a vida de Van Gogh [em inglês, dizem "góf", em português, "gogue", mas em holandês é "gór"], deveria. Pelo menos a partir do momento em que ele vai para Arles até a sua morte.

Van Gogh só decidiu se encaminhar para a vida de pintor aos 27 anos, após ter trabalhado em uma galeria de artes em Paris, e ter sido professor e até pastor. Ao 27 anos, sem saber se sabia desenhar, se isola para se transformar em um pintor. Sua vida criativa durou dez anos, de 1880 até 1890, quando dá um tiro no peito, que vai lhe matar em dois dias. Nesse período não teve sucesso com suas obras.

Pintava compulsivamente. Produziu centenas de obras. Pelo que eu li, só vendeu um único quadro enquanto esteve vivo.

Interpreto essa produção exagerada como uma tentativa de se aprimorar, e também como uma forma de registrar a beleza que ele via no mundo, dentro das suas telas. Era um poeta-pintor, que via beleza nos ângulos menos prováveis. Já o seu insucesso talvez seja resultado da sua má vontade com as tendências artísticas da época: ele jamais quis seguir uma escola. Conhecia muito de arte, porque trabalhou em uma galeria, mas seus ídolos não são nomes óbvios hoje em dia, com algumas poucas exceções.

Depois de um tempo pintando, tentou estabelecer contato com outros pintores, sugerindo que pintassem autorretratos, para que eles pudessem trocar quadros. Conseguiu que alguns lhe enviassem suas obras. Seu maior "feito", porém, foi receber Gauguin ["gôgan"] em sua casinha amarela, em Arles. O francês havia ficado impressionado com uma das pinturas de Van Gogh - o seu primeiro girassol. Van Gogh, então, para recebê-lo, pinta diversas versões do quadro, para pendurar nas paredes e agradar o admirado. Parecia que, finalmente, ele iria entrar no grupo de pintores relevantes, iria ser, de alguma forma, reconhecido.

Ao se encontrarem, porém, Van Gogh e Gauguin começam a discutir sobre a produção artística. Entre outros temas, Gauguin reclama que Van Gogh só consegue pintar o que está à sua frente, só consegue fazer retratos, só consegue reproduzir a realidade. Gauguin, por sua vez, argumenta que ele pinta o que está em sua cabeça, o que ele imagina, o que ele sonha, o que ele inventa. Os dois discutem muito. Gauguin chega a fazer um retrato de Van Gogh em tom de pilhéria, mostrando o holandês pintando em pleno inverno de dezembro outro quadro de girassol [abaixo]. Van Gogh admite que o retrato é fiel - que este Gauguin que havia sugerido pintar a imaginação, reproduziu a realidade.


Os dois discutem mais, até que um dia Van Gogh ameaça Gauguin com uma navalha. Gauguin foge e Van Gogh corta a própria orelha, um pedaço do lóbulo. Em seguida, é internado em instituições para doentes psiquiátricos até que, menos de dois anos depois, dá o tiro no peito.

Seis meses depois, o seu irmão Theo, com quem Vincent havia trocado diversas correspondências ao longo da vida, morre. A mulher de Theo, então, toma para si a proposta de divulgar a obra de Vincent.

Ao conhecer um pouquinho mais da vida de Van Gogh, perdi a ideia de que ele era um pintor atormentado. Para mim, ele era obstinado. Deixou para trás tudo o que ele não queria para se tornar um pintor. Porém, pareceu que o fato de ele jamais ter sido reconhecido fazia mal a ele. Ele queria, ao menos, ser visto como um igual entre os seus pares. Essa sua esperança acabou com a discussão com Gauguin. Era como se tudo o que ele tinha acreditado, nos últimos oito anos, fosse mentira. E que ele tivesse certeza, então, que ele jamais seria um grande pintor.

Outra curiosidade fica pelo fato de ele, hoje, ser quase uma unanimidade. Em algum momento, alguém com algum poder de decisão, com alguma chancela para dizer o que é arte, gostou dele e resolveu apostar nesse personagem um pouco romântico. O resto é a história que conhecemos.

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