quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Questão do gosto

Numa época que os cadernos culturais parecem extensões dos obituários [com duplo sentido, por favor], a morte de alguém que já apareceu bastante vira um grande acontecimento. Foi o caso da Whitney Houston. Todo mundo correu atrás da "notícia" para falar que ela tinha ganho não sei quantos prêmios e vendido uma quantidade abissal de álbuns, além de ser uma ótima cantora.

Fugiu do comum o comentário do Camilo Rocha, que tentou contextualizar historicamente a importância da cantora, que ficou famosa mundialmente por, além de ser cantora, ter sido a protagonista de "The bodyguard". Ele mostra que ela representava bem um ideal anos-1980, sobre um aspecto que era novo então, os buppies [black + yuppies]. Ele ainda afirma, muito bem, que Houston abriu a porteira para o que ele chamou magistralmente de "ginastas da voz" [Mariah Carey, Toni Braxton, Celine Dion, Vanessa Williams].

Entre os meus amigos, ficou a impressão de que faltou algo como esse comentário na imprensa em geral.  Concordei, mas fiz uma ressalva que, apesar de ele contextualizar historicamente a cantora, ele apenas dava vazão ao gosto dele que, por acaso, combina com o nosso.

Um amigo argumentou brilhantemente também que o papel do crítico não poderia ficar apenas no gosto. Dou as aspas para ele:
O papel do crítico não é dizer somente se ele gosta ou não. Por, teoricamente, escutar/ver/ler mais que a média, ele tem a função de 'guiar' o leitor (whatever) por aquela obra, artista, etc. É muito pouco ele ficar só no 'gosto' dele.  
realmente é um assunto espinhoso e é claro que o 'gosto' vai acabar aparecendo. Mas não é esse o que deveria ser o norte principal. Obras precisam ser vistas em perspectiva - com o legado do próprio artista e com o que os outros estão fazendo. Daí vc crava se aquele cara tem relevância ou não: mercadológica, artística, etc.

Vamos de Adele. Artisticamente, a Adele não tem relevância nenhuma. Ela conseguiu apenas ser o maior sucesso comercial dessa onda soul-vintage-britânico-branquelo que tinha na Amy Winehouse sua maior promessa (e na Duffy o maior mico). Musicalmente a Adele não importa, apesar de duas ou três músicas mais ou menos. E pq ela não tem relevância? Pq o que ela faz é um pastiche de soul, pq existem quatrocentas cantoras que já fizeram essa mesma música melhor e primeiro que ela. Nós temos essa referência.

No fundo, Amy Winehouse e Adele são a mesma coisa: sem relevância (artística, pq a Amy tem relevância comportamental). Só que da Amy eu gosto, da Adele, não. Sacou a diferença?
Concordo. Mas não acho isso inteiramente possível. Acho que o gosto, quando utilizamos qualquer argumento subjetivista, como "relevância" ou "influência", é, sempre, o principal aspecto, mesmo que disfarçado de outros nomes. Vou repetir minha resposta a ele, aqui:
no seu argumento, por exemplo, você está dizendo que o artista deve ser julgado - é ou não é relevante - por conta da história [você usa a palavra "perspectiva"]. o quanto ele influenciou o futuro, o quanto ele pegou de influência do passado, como ele retrabalha, como ele reproduz, etc. mas isso, em si, também é relativo, ou melhor, tem a ver com o ponto de vista de quem decide. quem deve ser influência? o que é ser pastiche? O que é fazer uma bela reprodução? o que é brega num momento é cool no outro - continua sendo ruim ou vira bom o exemplo original?

exemplo ruim: as bandas da bahia podem argumentar que eles são boas porque se inspiram no puro axé.

exemplo médio: qual é a influência da galera da guitarrada no belém? eles são bons?

exemplo bom: kafka quase não foi publicado em vida. se ele não fosse, ele continuaria sendo bom?

no fundo, o que os críticos fazem hoje é usar um critério que não há como negar: o mercado. fulana vendeu tanto. isso não é relativo, ela vendeu e pronto.

não sou a favor disso, sou exatamente o contrário disso. quero que as pessoas digam do que elas gostam e vamos moldando nossas leituras a partir de gostos e desgostos em comum.
Nem sempre a História, o que ficou para contar a história, é o que é melhor.

Não dá para dizer, também, como alguém passa a ser crítico, ou não. Não há qualquer critério técnico para afirmar isso.

No fim, o que sobra, se não formos apelar para números, é a opinião de quem quer escrever, sempre.  

3 comentários:

Raphael disse...

É muito ruim quando um crítico avalia o objeto em questão só baseado em seu gosto. Tipo: "Esse álbum é ruim porque eu não gosto de rock", ou "esse filme é ruim pq não curto comédia". Isso já me fez mandar uma carta pra Rolling Stone (olha como sou velho...carta!).
Apesar de não haver formação específica para crítico, precisa haver essa "avaliação relativa", levando em consideração parâmetros em volta do artista ou de fato a relevância daquilo no meio em que ele trabalha.
Senão o leitor/consumidor da crítica vai precisar saber o gosto do crítico pra tirar suas conclusões sobre a análise. Isso até acontece bastante hoje em dia, mas não sei se é o melhor caminho.
Enfim...viajei...hehehe

CNC disse...

também acho ruim ler críticas de pessoas que dizem "não gosto de pudim porque não como doce". posso estar enganado, mas acho que isso não acontece muito, ou acontece e eu que vivo fora do mundo?

mas o que eu quero dizer é que não dá para usar argumentos que não os do gosto, mesmo que disfarçados de outros nomes. você diz "parâmetros em volta do artista", e "relevância de fato".

O que você chama de "parâmetros em volta do artista", eu interpretei como contextualização histórica [me corrija se eu estiver errado]. E a história não é necessariamente certa, vide o caso do kafka [e do van gogh, para usar outro exemplo muito citado]. Isso para dizer de pessoas que furaram a história, imaginem quantos se perdem sem ser conhecidos.

E, relevância, de fato, nos tempos atuais, é quem vendeu mais - ou quem mais é baixado. Isso é relevância para um monte de gente.

Ou seja, não há parâmetro sólido, que possa ser universalmente aplicado. A meu ver, felizmente.

CNC disse...

Ah, e mais uma coisa: contextualização histórica não demonstra se a banda / música / livro / obra é boa ou não. Ele pode fazer tudo certo, pegar as melhores influências, retrabalhá-las direitinho, mas... faltar algo. E, a meu ver, é sempre nesse "algo", que não tem nome, que nunca ninguém conseguiu descrever, que está o que é realmente bom.