domingo, 5 de fevereiro de 2012

Wislawa Szymborska

A Folha publicou hoje três poemas da poeta polonesa Wislawa Szymborska (segundo o jornal se pronuncia vissuáva xembórsca), prêmio Nobel de Literatura em 1996, que morreu de câncer no pulmão na última quarta-feira, aos 88 anos, em Cracóvia. Todos com tradução de Regina Przybycien. Não a conhecia, antes dessa semana, só demonstrando o tamanho de minha ignorância.



O PRIMEIRO AMOR
Dizem

que o primeiro amor é o mais importante.

Isso é muito romântico,

mas não é o meu caso.

Algo entre nós houve e não houve,

se deu e se perdeu.

Não me tremem as mãos

quando encontro as pequenas lembranças

e o maço de cartas atadas com barbante

se ao menos fosse uma fita.

Nosso único encontro depois de anos

foi um diálogo de duas cadeiras

junto a uma mesa fria.

Outros amores

ainda respiram profundamente em mim.

Este não tem alento para suspirar.

E no entanto tal como é

deslembrado,

nem sequer sonhado,

consegue o que os outros ainda não conseguem:

me acostuma com a morte.



de "Chwila" (Instante), 2002


DIVÓRCIO
Para os filhos, pela primeira vez o fim do mundo.

Para o gato, novo dono.

Para o cachorro, nova dona.

Para os móveis, escadas, rangidos, caminhão, transporte.

Para a parede, quadrados brancos depois de retirados os quadros.

Para os vizinhos do térreo, um tema, um intervalo no enfado.

Para o carro, seria melhor se fossem dois.

Para os romances, poesia -de acordo, leve o que quiser.

Pior para a enciclopédia e o videocassete

e para aquele manual de escrita

onde se encontram talvez as regras de uso dos nomes compostos -

se ainda os liga a conjunção "e"

ou se os separa um ponto final.



de "Tutaj" (Aqui), 2009


DE UMA EXPEDIÇÃO NÃO REALIZADA AO HIMALAIA
Ah, então este é o Himalaia.

Montanhas correndo para a Lua.

O instante da largada fixado

no rasgar súbito do céu.

Deserto de nuvens perfurado.

Um golpe no nada.

Eco -uma branca mudez.

Silêncio.

Yeti, lá embaixo é quarta-feira

tem abecedário, pão

dois e dois são quatro

e a neve derrete.

Tem rosa amarela,

tão formosa, tão bela.

Yeti, nem só crimes

acontecem entre nós.

Yeti, nem todas as palavras

condenam à morte.

Herdamos a esperança -

o dom de esquecer.

Você vai ver como damos

à luz em meio a ruínas.

Yeti, temos Shakespeare lá,

Yeti, e violinos para tocar.

Yeti, ao cair da noite

acendemos a luz.

Aqui -nem lua nem terra

e a lágrima congela.

Ó Yeti meiolunar

pense, volte!

Entre as quatro paredes da avalanche

assim eu chamava pelo Yeti

batendo os pés para me aquecer

na neve

na eterna.



de "Wolanie do Yeti" (Chamando pelo Yeti), 1957

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