segunda-feira, 19 de março de 2012

Irlandeses e eleição em Londres

Domingo, Trafalgar Square [uma espécie de Cinelândia londrina], de tarde. Hordas de pessoas vestindo verde, tomando cerveja preta e ostentando a maior concentração de ruivos por metro quadrado da face da Terra. Estava claro desde o início: era o segundo dia de comemoração do St. Patrick's day em Londres.

Na entrada, descobrimos que era um evento político. Em ano eleitoral, os shows foram organizados pelo mayor of London, o tory Boris Johnson, que tenta a reeleição. Do lado de fora, o labour e ex-prefeito Ken Livingston tem representantes que distribuem panfletos com a última declaração polêmica de Boris - um louro de cabelos escorridos, acima do peso, nascido nos EUA, que sempre aparece nas fotos de maneira bem estranha, e tem o hábito de cometer gafes em todos os eventos públicos que participa. A questão do momento foi uma declaração do mayor num evento chique bancado pela comunidade irlandesa de Londres para celebrar exatamente o St. Patrick's. Boris mandou, sem pensar: "I'll tell you what makes me angry... spending £20,000 on a dinner at the Dorchester [hotel] for Sinn Féin".

Boris fazendo a festa de fotógrafos e cuidando de seu cabelo. Detalhe, uma dessas
fotos é a de seu perfil no wikipedia.
Quem não ligou o nome ao partido, basta saber que o Sinn Féin é um partido irlandês de esquerda -nas duas Irlandas- e que ficou associado com o IRA, que por sua vez era um grupo paramilitar, que se autointitulava provisório, e lutava, às vezes com meios, hum, heterodoxos, pela independência da Irlanda do Norte -a outra, a de Dublin, Guinness e U2, já é devidamente independente da rainha e seu séquito. Não pegou bem nem entre os partidários conservadores de Johnson, quiçá entre os irlandeses. [Um parêntese rápido: o IRA é chamado de grupo terrorista no Reino Unido e no mundo, menos na superliberal Escandinávia, pelo que eu ouvi, que os chamam de guerreiros pela independência. Deve querer dizer alguma coisa.]

A eleição, realmente, já começou, e aqui os jornais se posicionam, com o "Guardian" a favor dos trabalhistas e o "Evening Standard", dos conservadores, para ficar nos exemplos dos jornais que eu normalmente leio. Um dia caí na bobeira de retuitar um artigo do Guardian intitulado "What has Boris Johnson actually done for London?" e fui bombardeado por seguidores de Boris na rede - como se eu estivesse fazendo essa pergunta a eles [não clicar em links, como você pode ver, não é um privilégio de brasileiros].

Mas falávamos de coisas mais amenas, como St. Patrick's e devemos voltar para ele. Boris bancou uma publicação de uma revistinha sobre o santo padroeiro da Irlanda, que foi responsável por catequizar a ilha -e, de certa forma, se pensarmos, o responsável pela católica Irlanda querer se separar da protestante Inglaterra, não?- e, ainda mais importante, segundo a publicação, por expulsar todas as cobras da ilha -ainda de acordo com a revistinha, somente Nova Zelândia e Islândia dividem o privilégio de não terem qualquer réptil rastejante que desde o Gênesis é mal vista pelos cristãos.

No palco, música e dança folclórica. E então eu pensei como conhecemos mais da cultura da Irlanda que de qualquer outro país aqui da região. O que sabemos da Escócia? Uísque, gaita de fole, kilt, Mogwai, Franz Ferdinand, Highlander...? A Irlanda tem George Bernard Shaw, William Butler Yeats, Samuel Beckett e Seamus Heaney, só para ficar nos prêmios Nobels de literatura, o mesmo número de russos e poloneses, por exemplo. Isso sem contar com James Joyce, que foi esquecido pelo Nobel, e, antes do prêmio existir, os irlandeses de nascimento, mas quase-ingleses por adoção, Laurence Sterne e Oscar Wilde -só para ficar no que a minha memória alcança. Na música, os irlandeses são conhecidos pela sua utilização de violões e todas as formas de cordas - pensar no filme "Once", por favor.

Ontem, comprovando essa tradição e essa atração por cordas conhecemos uma menina que, ao vivo, mostrou que consegue encarar uma plateia desatenta e cheia de cerveja na cabeça. Chama-se Gemma Hayes e, segundo o papelzinho distribuído, foi recentemente indicada ao Mercury prize [em 2002, me atualiza o wikipedia]. É uma menina de 34 anos, que repete a história de muitos outros músicos: nasceu numa família grande [era a oitava filha], que adorava música e optou por seguir a carreira tortuosa, largando faculdade já iniciada. Lançou quatro álbuns e suas músicas estão um tom mais agitado que o folk, de voz e violão, e o rockinho, aquele de guitarra-baixo-bateria [é uma escala clara, como se pode ver]. Ela usa violão e guitarra e é acompanhada por um baixista, um baterista e uma tecladista. Suas músicas são o que as meninas costumam chamar de fofas e os meninos fingem não gostar, mas sempre se permitem ouvir mais uma vez para não contrariá-las. Bem, melhor que descrevê-la, como sempre dizem sobre a literatura, é mostrá-la.



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