quarta-feira, 25 de abril de 2012

A crença na vida

Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, aparece em seguida. São jogos. É preciso, antes de tudo, responder. E se é verdade, como pretende Nietzsche, que um filósofo, para ser confiável, deve pregar com o exemplo, percebe-se a importância dessa resposta, já que ela vai preceder o gesto definitivo. Estão aí as evidências que são sensíveis para o coração, mas que é preciso aprofundar para torná-las claras à inteligência.
Quando Camus começou o seu "O mito de Sísifo" com mais uma de suas frases lapidares, ele estava levando a pergunta, a questão anterior, a um passo à frente. Não estava fazendo como eu, que concluo vez por outra o óbvio. Dias desses, por exemplo, descobri que a morte é o momento mais importante na vida das pessoas. Não é muito original, admito, mas o meu raciocínio levou em conta que a morte mostra a nossa finitude, trata do inexplicável, antecipa a nossa fragilidade... Tudo o que fazemos é para postergar a nossa vida, mesmo que metaforicamente, mesmo sabendo que a imortalidade, em princípio, mas não cientificamente, é impossível.

Camus sabia disso tudo, claro. O que ele queria com sua pergunta era tentar responder, sendo um discípulo, ou um seguidor, ou um interpretador de Nietzsche: vale a pena viver? Num mundo sem Deus, em que não seremos para sempre castigados num inferno [isso vale um parágrafo, o seguinte], por que continuar vivendo uma vida infeliz?

Claro que Nietzsche, por exemplo, foi um que tentou responder à sua maneira a essa pergunta - e já estamos chegando onde eu quero chegar. Temos que viver nossa de maneira a não nos arrependermos caso tenhamos que vivê-la novamente. O instante é único, mas e se fôssemos condenados à eternidade à nossa vida, você se sentiria no paraíso ou no inferno? Ou você pensa que Sartre não estava sendo, também, irônico quando disse que o inferno são os outros?

O que eu quero dizer com tudo isso é: é impossível viver sem algum tipo de crença e, por assim dizer, uma espécie de sentimento religioso. Sem essa fé, mesmo que minúscula, de que vale a pena continuar, de que vale a pena prosseguir, mesmo quando as alternativas mais sensatas seriam desistir, não sobreviveríamos. Há algo dentro de nós, uma força inexplicável, ou ainda não identificada, que nos mantém acesos. Pode ser vista nos olhos de crianças famintas, na vontade dos doentes terminais de evitar o descanso final, ou na incapacidade de um deprimido crônico em se matar - até para o suicídio é preciso de força. Sérgio Rodrigues uma vez disse algo interessante: "O ser é mais forte que o não ser, enquanto é", que é uma resposta bastante heideggeriana [mas eu não tenho conhecimento de Heidegger para fazer mais que o reconhecimento].

As pessoas acreditam. Acreditam que vale a pena levantar da cama de manhã cedo, mesmo que esteja chovendo e frio lá fora. Que o trabalho será compensado. Que  o casamento é o ideal de felicidade. Que os filhos são prolongamentos dos seus próprios seres. Que o amor é a coisa mais importante da vida. E é eterno. Que há um príncipe - ou princesa - encantado[a] à espera em algum lugar que você ainda não esteve. Que uma carreira bem sucedida traz segurança e tranquilidade. Que vale a pena sofrer cinco dias para viver dois. Que amanhã, tudo vai ser diferente. Que no fim, tudo vai dar certo.

Mesmo o mais arraigado ateu acredita que não há um Deus, ou deuses, que o mundo é controlado por uma série de forças naturais, que se equilibram e desequilibram com o passar do tempo. E usa de argumentos científicos, matemáticos para provar que o universo não tem fim, e está em constante expansão.

Não crer é prostrar-se. É perder a força, a vontade [no sentido de Schopenhauer], a empolgação. É se encasular, é diminuir as rotações do coração até que ele quase para - ou para. Não há diferença. Crer é viver.

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