quarta-feira, 4 de abril de 2012

Sinal dos tempos na arte

Nessa semana por uma coincidência termina a exposição das paisagens do artista inglês David Hockney, na Royal Academy of Arts, e começa a retrospectiva dos trabalhos da década de 1990 de Damien Hirst, no Tate Modern. Se o primeiro é injustamente desconhecido no Brasil por quem não acompanha arte mais de perto, o segundo é injustamente conhecido, exatamente porque a sua produção extrapola os limites, num sentido complicado da expressão, do bom senso e do bom gosto no campo das artes.

"Winter Timber", uma de suas peças que eu mais gostei

As obras de Hockney dialogam com a tradição, mas tentando encontrar um caminho próprio. Nessa exposição, foram reunidas todas as suas produções que tinham como tema "paisagem". Portanto, há pinturas a óleo imensas e sequências de aquarelas, além de esboços e desenhos a carvão, meios que fazem jus à alcunha de "artista" desde que esse termo começou a ser empregado a quem gosta de desenhar.

Mais de acordo com os tempos tecnológicos em que vivemos, também foram feito desenhos em iPad e impressos em sequência, para formar uma instalação [como ele mesmo a chama]. Ou uma floresta, no meu ver [dá para ficar até meio zonzo].

Ou ainda, elevando a sua preferência por retalhar uma imagem imensa em fotos polaroides, como já havia mostrado aqui na sua homenagem a Picasso, ele retalha seus quadros gigantescos em inúmeros painéis. Além disso, ele também recorreu ao vídeo digital em alta definição para, com nove ou 18 câmeras ao mesmo tempo, registrar um ambiente. Tudo isso é bem impressionante.

Não é só a mídia que ele utiliza que chama a atenção, nem a forma como ele a utiliza -senão, o formato seria esvaziado, como, aliás, acontece com Hirst e suas, hum, instalações- mas o que ele retrata, como ele pinta, e, o mais difícil, a maneira como ele capta a beleza das coisas.

Um dos detalhes de suas obras que mais me chamou a atenção e me deixou ressabiado à primeira vista foi o uso de cores nem sempre usuais, como roxo, ou um verde claro, mas luminoso, quase fluorescente. É uma escolha exagerada, que incomoda os olhos na primeira olhada. Com o passar do tempo na observação, entretanto, você começa a se acostumar, e o quadro se torna mais que agradável, se torna único, novo, recria algo que não existia antes. Aprisiona uma beleza sem precisar ser realista, nem repetir exatamente as cores da paisagem retratada.

"A bigger Grand Canyon" [clique na imagem para ver melhor a obra]

Ele usa dois tipos de processo para fazer essas paisagens: pinta por observação, e de memória. No caso da observação, o fato de ele usar telas menores, facilmente carregáveis, o ajuda a pintar o seu quadro olhando diretamente para a paisagem e depois só precisa apenas montar o todo em estúdio. No segundo caso, para mim o melhor, ele usa a sua memória para tentar recriar o ambiente.

A memória se transforma em imaginação, ou, no mínimo, fonte para a sua imaginação, e ele não respeita a realidade mais, recriando as paisagens de maneiras diversas ao original. Como se tirasse o poder do realismo, derrubasse a pretensa verdade do retrato direto. As suas produções de memória [e imaginação] são, na minha humilde opinião, mais interessantes.

Ao ouvir o audioguia da exposição, podemos conferir as opiniões do próprio Hockney sobre as suas produções. Ele diz, a certo momento, que sabia que a pintura de paisagens foi um tema bastante visitado na história, e que as pessoas sempre dizem que não se pode fazer nada além do que já foi feito. Ele afirma que tinha conhecimento dessa ideia, mas que sempre, também, duvidou que isso poderia ser uma verdade absoluta. Porque a natureza, diz ele, é quase inapreensível, ou, por outro ponto de vista, sempre mutável. A natureza pode ser eternamente objeto de obras com pretensão artística. Não poderia concordar mais.

***

E o Hirst, hein? Bem, não vi, nem quero ver. Suas obras representam, para mim, tudo o que há de pior no âmbito da arte, hoje em dia. Suas produções são exageradas, grotescas, que visam apenas o choque, como se ainda vivêssemos no ambiente das vanguardas. Apesar de ser mais novo que Hockney, parece mais datado que o conterrâneo.

Em vez de conferir um tubarão mergulhado no formol, prefiro ver um elefante sem pele, que nunca se propôs ser arte, mas é, ao menos, mais bonito.

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