segunda-feira, 28 de maio de 2012

Monarcas inglesas

Na semana que a rainha Elizabeth II completa 60 anos sentada no trono inglês, puxe pela memória quais outros monarcas britânicos você consegue citar sem precisar recorrer ao oráculo contemporâneo. Eu apostaria que a maioria se lembraria de, ao menos, duas outras rainhas - isso mulheres - e talvez um homem, Henrique VIII, que é mais conhecido por ter se casado inúmeras vezes e, por conta disso, ter criado uma cisão na igreja católica. As mulheres, se eu não estou enganado, seriam Elizabeth, a primeira, e Victoria, a única [por enquanto].

As duas são soberanas que ficaram muito tempo no poder - Victoria, ainda é a campeã, com 63 anos e sete meses. A primeira Elizabeth, filha logo de Henrique VIII, com a sua mais controversa esposa, Anne Boleyn, ficou 44 anos e uns quebrados, numa época que os reinados eram sempre ameaçados por perigos externos [invasões] e internos [golpes].

Talvez por ficarem tanto tempo no poder, e, assim, darem mesmo que independentemente das suas atuações diretas um peso estabilizador ao país, Elizabeth I e Victoria produziram eras que ficaram conhecidas com os seus nomes [elizabetana e vitoriana]. Junto a isso, ambas também reinaram em épocas de grande produção literária [suspeito que seja a principal das artes inglesas], com Shakespeare e Marlowe, no caso da primeira, e todo o grupo do século XIX, de Dickens, passando pelas irmãs Brontë, a Stevenson, no da segunda.

Recentemente, vi dois filmes ["Elizabeth" e "Mrs Brown"] que retratam pedaços das vidas e dos reinados dessas duas soberanas, que, curiosamente, junto com "The Queen", sobre a Elizabeth II, revelam um traço que poderia ser bastante apreciado pelos defensores da Respública, ou melhor, da República.


O primeiro peca no exagero dos manejos de câmera e nos salamaleques do diretor indiano Sheknar Kapur, que parece querer usar tudo o que aprendeu ao-mesmo-tempo-agora. O filme foi indicado a vários dos prêmios principais da Academia em 1999, mas Kapur ficou de fora da lista [foi o ano de, coincidência, "Shakespeare in love", e do nosso "Central do Brasil"]. O longa mostra uma Elizabeth, na pele de Cate Blachett, insegura, virginal, deslumbrante, apaixonada platonicamente por um pirata que é elevado a cavalheiro, chefe da guarda e que se casa com uma das damas de honra da rainha.

O segundo mostra Victoria [Judi Dench] após a morte de seu marido [Albert], arrasada, irascível, complicada. Ela começa a ter contato com o homem que era o cavaleiro de companhia do marido em cavalgadas, John Brown, e os dois desenvolvem uma simpatia-quase-amor, que a levanta da depressão, mas a torna quase dependente. É de 1997, mas parece bem mais antigo, principalmente porque a caracterização não tenta atualizar a sujeira nem a moda da época. Brown se transforma num protetor e conselheiro da rainha, e fica obcecado com a sua segurança.

Curiosamente "Elizabeth" também mostra como a segurança era uma preocupação constante, principalmente pelo fato de a monarca ser de uma religião diferente de metade da população inglesa da época. Ambos os filmes mostram atentados frustrados às monarcas.


Em comum, também, é a maneira como se mostra o sentimento de devoção ao povo. É como se o poder não emanasse dos soberanos, mas da plebe, e os nobres deveriam apenas representá-los, da maneira mais democrática possível. Em "Mrs. Brown", o primeiro-ministro de então pede para Victoria abandonar o retiro na Escócia e voltar para Londres, para evitar que o sentimento republicano aumente. Foi basicamente o mesmo movimento feito por Elizabeth, a segunda, após a morte de Diana: saiu da Escócia, onde os monarcas passam os verões, e voltou para Londres, para manter-se popular.

É, mais ou menos, como se eles invertessem a interpretação da frase imortalizada como tendo sido dita por Luís XIV, da pomposa França, quando ele supostamente diz que "L'etat c'est moi". O Estado continua sendo ela[s], mas não porque o Estado deve algo a ela[s], mas porque ela[s] deve[m] algo ao Estado. Em tese, e dito da maneira mais simples possível, ser rei/rainha parece mais uma obrigação, um fardo, que uma dádiva divina. Elas cumprem a função de guiar o povo, mesmo sem poderes diretos. Mas são veneradas e amadas, pela maioria. Recentemente uma pesquisa publicada no esquerdista Guardian mostrou que nunca a popularidade de Elizabeth II esteve tão em alta [a pesquisa começou a ser feita exatamente em 1997, quando Lady Di morre, e a popularidade de Elizabeth II, segundo o filme, chega no seu patamar mais baixo]. Os reis - e as rainhas - servem ao povo, são os primeiros servidores do público. E não o inverso, como acontece em algumas novas repúblicas.

ps. Não deveria ser surpresa que as monarcas são mais conhecidas que os reis aqui. Basta levar em consideração que em frente ao Congresso há uma estátua de Boudica, com o seu nome em latim, Boudicea, para perceber que as mulheres estão presentes desde os mitos fundadores da Bretanha.

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