terça-feira, 9 de outubro de 2012

A 'Avenida Brasil' e o palavrão

Ontem vi pela primeira vez, desde que eu cheguei aqui, um trechinho da tão famosa e propagada novela "Avenida Brasil". Já "tinha ouvido falar" de personagens principais, como Carminha, Nina, Tufão, via redes sociais, mas nunca tinha posto os olhos em nenhum episódio.

Lucinda e Carminha, no último capítulo da novela


Sabia o quão forte essa novela era / é, o quanto da sociedade ela tinha mobilizado. Pessoas marcando festas para depois do fim do capítulo - ou chegando atrasado para eventos sociais - ou deixando gravando em casa para ver depois - ou a assistindo via tablete no meio da viagem de férias. Gente de todos os tipos tendo como assunto principal a novela, e, ao serem perguntados, tentando explicar - justificar - os motivos de tanto sucesso. Trocador chamando o motorista do ônibus de "Tufão", e o motorista - que disse que não gostava de novela, e mesmo que não assistisse nem a essa, sabendo quem era o personagem e afirmando que não gostava disso porque ele era "boi" - sabendo detalhes da trama.

Consegui conferir, en passant, os dez minutos finais. Um detalhe colateral me chamou mais a atenção que os demais - já que eu não entendi bulhufas de quase nada do que acontecia. Um detalhe, que, aliás, já tinha me impressionado antes, ao andar pelas ruas: como se fala palavrão, abertamente, na novela. Não sou um moralista, não é uma reclamação, mas uma constatação: nesses dez minutos, ouvi gente mandando adversário para lugares mal cheirosos e exclamações que antes eram revestidos de eufemismo serem ditas abertamente.

Curiosamente, ninguém nas minhas timelines, desde que a novela começou, comentou essa sua característica mais "naturalista". As pessoas falam palavrão normalmente no dia-a-dia. Tirar o palavrão da novela, que, de certa forma, representa o povo, ou almeja a isso, seria uma forma de "higienização" forçada. Talvez, por isso, ninguém tenha reparado nesse pormenor. Outra razão, que eu especulo, seria o fato de a novela ser tão boa que ninguém teria perdido tempo com o discurso utilizado pelos seus personagens. Seria um mero detalhe, parte integrante do todo.

Essa opção de uma vocabulário mais "sujo" também aparece no mesmo momento que eu tinha reparado como as pessoas estão falando palavrão nas ruas mais tranquilamente - ou mais comumente - ou eu que estou reparando mais nisso. Se antes - ou nas minhas lembranças - era um momento de explosão, agora, é apenas a substituição de uma outra palavra qualquer, praticamente aleatoriamente. Duas senhorinhas andando na pista Cláudio Coutinho  fazendo o seu exercício matinal, soltam um palavrão de conotação sexual para demonstrar como aquele a quem elas se referiam estava bem doente. Uma vendedora de carros conversa com o colega de trabalho e pontua suas falas com certa alcunha do órgão sexual masculino, como se fossem vírgulas.

Outra forma de interpretar essa minha surpresa seria o fato de na Inglaterra - e mesmo em Londres - os palavrões são menos pronunciados. Quase não há tantas explosões, tanta demonstração de emoções, mesmo as banais, nas ruas. Costumo dizer que o inglês só perde a sua fleugma em três situações: no pub [após alguns pints], no jogo de futebol, ou em um festival de música [uma espécie de carnaval, para eles]. Fora daí, ele se mantém, via de regra, incólume. E um palavrão demonstraria mais do que eles gostariam.

Já no Brasil, não parece que guardamos muito nossos sentimentos. Explodimos por qualquer assunto, colocamos para fora todas as nossas preocupações, exibimos as nossas alegrias e tristezas, diariamente. Daí, o uso igualmente mais frequente do palavrão se "justifica", ou se "aplica".

Um sujeito mais ligado à terapia da fala diria que o nosso caso é menos traumático, mais profilático, já que não "guardamos" nada. Como não há bônus sem ônus, eu também enxergo um pequeno problema nessa questão: fazemos muito mais barulho que os ingleses. E isso se reflete em todos os outros aspectos: buzinamos mais, gritamos mais, aceitamos os barulhos de uma britadeira com mais facilidade, ouvimos mais sirenes. Vivemos mais próximos de vias movimentadas, dos grandes trânsitos, encaramos mais engarrafamentos. Aliás, e inclusive, "Avenida Brasil", o nome da novela, reflete bem isso, igualmente.

Uma outra - e a minha final - tentativa de explicação para os palavrões seria a tentativa de abafar o barulho que nos circunda. Ou viveríamos um "dilema Tostines" e o palavrão, assim, seria o principal alimentador desse ruído?

8 comentários:

Blog do Jorge disse...

Prezado Ronaldo, excelente essa análise de um "estrangeiro" nem tão estrangeiro assim sobre a novela. Na verdade, você assistiu o melhor capítulo, até o momento, de Avenida Brasil (e olha que foram muitos muito bons, sempre superando os anteriores considerado excelentes). Eu só teria trocado, se opção houvesse, e teria visto os primeiros dez minutos (e não os últimos), que contiveram a cena que todos esperaram por seis meses. Talvez, não faça sentido para você (e não transmita a mesma emoção a ponto de te fazer verbalizar um palavrão), mas foi o ápice da trama, com certeza. Sobre o palavrão em si, não sei se é um tema 100% inédito, mas acho que é exatamente uma das explicações do sucesso: a naturalidade dos diálogos. A novela se passa no subúrbio do Rio, não dá para fingir que é um lugar onde não se fala palavrão. Todo mundo tem uma explicação para o sucesso da novela e não seria eu que deixaria de ter (e dar) a minha. Na minha avaliação, se existe uma "fórmula" para o sucesso do autor, João Emanuel Carneiro, é justamente esse naturalismo (ok, fora a trama central em si, de traições, maquiavelismos mil, que queremos crer impensáveis na vida real, mas, sem ela, não haveria a ficção), de incluir cenários, e discussões reais, com pessoas falando uma por cima das outras, como é da nossa natureza nada britânica mesmo. Ele conseguiu sair daquela receita básica (e infantil) do "quem matou quem", ou do bem x mal. Claro que há uma heroína, mas ela tem defeitos, erra, tem um espírito de vingança que beira (e ultrapassou, diversas vezes) a fronteira da doença. E há uma bandida, mas que, ao que tudo indica, teve seus motivos para fazer o que faz. Enfim, nem todo mundo é só bom ou só mau (como a própria personagem Carminha fala num dos capítulos iniciais), nem todos os ricos moram na Zona Sul, ou na Barra da Tijuca, e todo mundo fala palavrão, ou já falou um dia. E seria patético, dublagem de Sessão da Tarde, se, numa novela com tantas cenas que apelam para a emoção, seus vilões e heróis falassem apenas "droga", "puxa". E olha que eu nem "daria o título de "desbocada" para a novela, pois muitas vezes eles até usam um "filha da mãe", quando nós mesmos usaríamos, com o cuidado que todos temos de não falar palavrão à toa. Abraço!

CNC disse...

Caro "Jorge", sua explicação é deveras consistente e na próxima vez que eu conseguir assistir a qualquer trecho da novela, eu vou levá-la em consideração. Agora, o senhor está se preparando psicologicamente para o fim da novela, que é próximo? Cuidado com o coração, hein.

Blog do Jorge disse...

Como sou um cara precavido (ansioso, dramático e radical também), comecei a sofrer com isso na primeira semana da novela. "De modos que" acho que estou bastante preparado para isso. No fundo, espero ficar sem ver novela "a sério" por um tempo (pelo menos, até a próxima do Gilberto Braga, outro cara que ainda "faz sentido", embora dê algumas escorregadas), para não me decepcionar/irritar, principalmente considerando que a próxima "das nove" é da Glória Perez. Enfim, tal como o restante do público masculino deste nosso país, não terei mais desculpa para ver novela. Claro que isso não me impedirá de fazer um ou outro post a respeito, se souber de algo que renda, hehehehehe... Fiz até um post sobre o temido fim de Avenida Brasil em (pelo menos um jabá por dia): http://www.blogdojorgefernando.com/2012/08/avenida-brasil-nao-tera-fim-atendendo.html

Abraço!

CNC disse...

Eu comecei a ler o seu último comentário e pensei que você não ia perder a ótima oportunidade de divulgar essa notícia que agradou a muitos [ou a todos os] espectadores.

Blog do Jorge disse...

Eu jamais perderia uma oportunidade de enfiar um link em algum comentário. Abraço!

CNC disse...

só porque estamos falando de palavrão aqui você já quer enfiar um link no comentário. pobre comentário.

Blog do Jorge disse...

Hahahahahaha... Abraço!

PS: É mesmo muita vontade de comentar ficar a toda hora provando que eu não sou um robô (para o mesmo Blogger que tão bem me conhece).

CNC disse...

se você me manda um abraço, espero que tenha levado o comentário para jantar. ou um cineminha. é o mínimo.