quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A indiferença em nossos tempos

Algumas pessoas são assertivas, seguras de suas ações quando se trata de questões idealistas:

- sabem que não se deve dar dinheiro para o mendigo. Têm sempre uma resposta-pronta para usar nessa hora. Dizem que isso só atrapalha, que o melhor é ensinar a pescar, não dar o peixe. O mesmo argumento, inclusive, é usado para os casos das bolsas governamentais.

- falam que participar de qualquer tipo de "corrente" [ainda se usa "corrente"? ou eu deveria atualizar o termo para "meme"?] nas redes sociais, como a que tentava alertar para os problemas enfrentados pelos índios Guarani-Kaiowá, não ajuda em nada os envolvidos diretamente no problema. Em geral, generalizam todos os casos e os chamam de ativistas de sofá, o que fora do Brasil se chama slacktivism [algo como "ativismo preguiçoso"].

Em ambos os casos, a resposta é via de regra uma só: essas atitudes aliviam a tensão e a culpa [católica*] de quem a pratica. Não é em nenhum momento, ou relativamente é muito pouco, benéfica a quem a recebe.

Normalmente quem critica quem participa dessas ondas-internéticas também não ajuda diretamente aos necessitados.

Outras pessoas são práticas:

- "é tudo igual", é a resposta padrão de quem comenta algo sobre política, principalmente quando aparece informação ligando um partido ou um político que era visto como sério a um escândalo de corrupção. Às vezes isso acontece mesmo quando não há corrupção. Às vezes, isso acontece apenas quando o partido/político apenas quer exercer o seu dever de conversar com todos os espectros políticos que o cercam. O julgamento é imediato.

Claro que estou falando sobre o caso do prefeito de Macapá, do
Psol, que falou que vai conversar com o senador Sarney.

Em todos os casos apresentados, me sinto estranho, fora do meu tempo. Talvez idealista. Eu não sei ao certo se não dar o dinheiro para o mendigo é o melhor para resolver o problema, imediato. Eu também concordo, e não teria como não concordar, que o melhor seria ensinar a pescar, dar independência a essa pessoa. Mas... e naquela hora? Se a situação é extrema as atitudes não devem ser mais maleáveis? Ou devemos tentar ensinar alguém a pescar, mesmo que ela esteja em estado de inanição, ou completamente perdido?

No segundo caso, há muita discussão sobre esse ativismo de sofá. Gente pró e pró e contra e contra, como manda uma sociedade multifacetada. Nesse caso, os formatos como os grupos pró [um infográfico e um blog] e contra [dois artigos] se posicionam mostram bastante sobre como esse pode ser, também, uma questão geracional. Também essas críticas ao tal sofativista me leva à pergunta: é melhor fazer nada a fazer pouco?

Por fim, o terceiro caso, me faz pensar que esse raciocínio serve, muitas vezes, como uma desculpa pessoal,  para as opções mais pragmáticas, ou um apequenamento político: se todos são iguais, votarei naquele que é melhor para mim, pessoalmente, sem pensar no bem coletivo. É desmerecer a política, no que ela tem de melhor, que é a tentativa de pensar o todo, não as partes.

A indiferença, que às vezes esbarra no cinismo, às vezes na frieza, e outras no orgulho, é, a meu ver, o resultado de decepções, muitas vezes, por anos de crença ideais fracassados, por muito tempo sentido como desperdiçado, ao se tentar fazer algo para "mudar a realidade". Geralmente, essa atitude vem com justificativas: "eu já fiz muito. Eu já tentei. Eu já participei de não sei quantas manifestações. Manifestações de verdade. Já levei cassetada de policial, já respirei muito gás lacrimogênio. Para quê? Para os mesmos políticos corruptos continuarem onde estão." É verdade. É difícil manter a "esperança" quando parece que no Brasil tudo muda para ficar igual.

Mas, por outro lado, fico imaginando que essa "crença", essa esperança depositada em uma mudança radical, essa ruptura ao passado, é algo quase messiânico. Querem uma revolução, uma mudança completa do status quo, de uma hora para outra. Quase imposta. Como se repentinamente um grande messias aparecesse e, vupt!, tudo mudasse. Talvez se esqueçam, ou ignorem, que, enquanto estivermos em uma democracia, as mudanças serão lentas, graduais e constantes. Não necessariamente para melhor, não necessariamente para pior. Porque enquanto você quer virar para a esquerda, outras trocentas pessoas querem embicar à direita. E, assim, há a necessidade de negociações, de se aceitar as outras vozes. Porque, quem disse que você é o certo e dono das verdades para resolver todas as questões? Grandes transformações, grandes mudanças só acontecem, fora do âmbito religioso, em uma ditadura. E, como aprendemos nas nossas duas experiências do século XX, elas não funcionam muito bem.


* os termos "culpa" e "católica" hoje são quase sempre unidos, como se não existisse culpa sem ser a católica.

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