terça-feira, 30 de outubro de 2012

Arquivo brasileiro na Inglaterra

Dois Pedros I. O primeiro está sentido, machucado, confuso. O pedaço de papel ordinário data de 22 de maio de 1828, pouco depois da morte da sua primeira esposa, a imperatriz Leopoldina. A letra é trêmula, nervosa, quase indecifrável – mesmo para paleógrafos. Pede à marquesa de Santos que saia da cidade. Explica que é pelo “bem do meu negócio do casamento”, do novo, em vista. Seu raciocínio, assim como a caligrafia, não é claro. Roga que ela “não ouça conselhos” de quem quer “a perdição”, que “faça o que lhe digo pois lhe falo sério e como quem lhe [tem] amizade e lhe tem [indecifrável] afeição”. 
O outro, de cerca de um ano mais tarde, é um Pedro seguro, diplomata, estadista. Mas ainda assim emotivo, destilando uma raiva latente a cada parágrafo. Tenta convencer seu interlocutor por meio de argumentos cordiais, em vez de usar a razão, cartesiana. A letra é claríssima, calma. O tom, quase fraterno. Uma conversa entre amigos – entre “irmão e primo”, como nota o cabeçalho. Desta vez, o papel é oficial, a carta ainda conserva a cera do selo real. É dirigida a “sua magestade el rey da Gram-Bretanha e Irlanda do Norte”. Pedro quer a ajuda de George IV para resolver o imbróglio em Portugal. Ele abdicara do trono em favor de sua filha Maria II, mas, como se sabe, Miguel, irmão de Pedro, achou melhor continuar no poder, recusando-se a “publicar e cumprir o meu real decreto de 3 de março de 1828, pelo qual ordenei que aquele reino fosse governado em nome de minha muito amada e querida filha”. 
Ambas as cartas se encontram no arquivo da British Library, a biblioteca nacional britânica, que guarda inúmeros documentos sobre o Brasil. Há papéis e mais papéis sobre diversos momentos de nossa História em que os ingleses tiveram participação direta ou indireta. A vinda da família real portuguesa para o Brasil. A Independência. O tráfico negreiro. A Lei Aberdeen. A questão Christie. E outros menos óbvios, como uma série de documentos chamados de British Guiana Papers, que abordam a Amazônia no início do século XVII. [...]
 Esse é o início de uma reportagem desse que vos escreve na "Revista de História". Além da reportagem, eles publicaram na íntegra essa citada segunda carta de Pedro I, que não era conhecida por dois dos maiores pesquisadores sobre o nosso primeiro imperador. [Ao lado, gravura inglesa de 1849 que mostra um navio negreiro brasileiro interceptado por embarcação inglesa no Atlântico]

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