quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O ato de passar pelo traço de Loredano

Após conferir as cerca de 30 obras - desenhos, às vezes ainda com recados do próprio autor para o eventual espectador - do artista Loredano expostas na Galeria Paulo Fernandes, no Centro do Rio, fiquei imaginando que deveria ser criado um verbo novo: Loredanear. É o ato de uma personalidade [no sentido antigo do termo] passar pela interpretação criativa desse craque do traço.

Lembro que quando eu fazia clipping, há dez anos, uma das minhas principais atividades extra-curriculares era recortar as caricaturas dele e guardar. Até hoje, se ninguém mexeu, eu tenho a de Jorge Luis Borges, que dá para encontrar na internet.


Nele podemos ver uma de suas características mais comuns em outros dos seus desenhos. A diferença entre  os olhos. São assimétricos. Como se ele aproveitasse para descrever dois pedaços da personalidade do retratado. No caso de Borges, ainda ajuda o fato do personagem ter sido cego. Então, os olhos miram lugares diferentes. Ambos parecem amedrontados, mas o da direita, maior, está quase cansado. O da esquerda parece mais com um medo "ativo", de quem quer atacar para se defender. O que contrasta com o nariz, para cima, dando um tom pernóstico, talvez incentivado pelo saber literário quase enciclopédico do escritor. As mãos, sobre a bengala demonstram a fragilidade, novamente, mas uma fragilidade acomodada, de quem sabe que a sua situação é a mesma dos demais seres humanos.

Na exposição, talvez a melhor caricatura seja de Machado de Assis.


Os cabelos estão desgrenhados e a barba falha, dando uma impressão de suor, que nos lembra que ele usava um jaquetão pesado, mesmo no Rio de Janeiro. Os óculos tortos, que mostram os olhos - novamente, os olhos - de diversos ângulos.

Há ainda Drummond com um pescoço descomunal e sem braços, livro sobre o colo, à beira do mar. Mário de Andrade, cujos olhos - olhos - escapam do corpo. Hitchcock com um tesoura no bolso - por quê? Schopenhauer, sem nariz, cabelos esvoaçantes. Freud em três momentos, o mais retratado. Cartum de Bush com o mundo ligado ao seu rabo - literalmente - cuja descrição diz que o desenho foi proibido por Mário Sergio Conti de ser publicado no "J.B." em 2001, mas que acabou, dias depois, nas páginas de "El País".

Fiquei pensando em como chamá-lo. "Caricaturista" é todo aquele que faz caricaturas, como ele. Mas como o termo ficou bastante batido, ele mereceria algo além. Decidi por artista. Reflete bem o poder da sua obra, que dá um prazer apenas de se olhar. Desenhista, quando precisar adjetivá-lo duas vezes num espaço curto.

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