terça-feira, 20 de novembro de 2012

Ler ou improvisar em palestras?

Ontem, antes da palestra de Tim Ingold no belíssimo Solar da Imperatriz, fiquei na dúvida se conseguiria entendê-lo. Inglês e professor da universidade de Aberdeen, ele poderia ter o sotaque carregado, muito influenciado pelo escocês, que é uma atração à parte quando na Escócia. Além disso, era uma palestra de um renomado antropólogo, que poderia usar termos técnicos da área a que eu não estou acostumado. Decidi, por via das dúvidas, pegar o fone de ouvido para a tradução simultânea. Acabei nem usando.

"La condition humaine", de Magritte: um exemplo constante
Ingold tem um inglês claríssimo, com um sotaque quase plain, e usa de um vocabulário ainda mais simples, com metáforas gerais e exemplos quase sempre vindos das artes, o que facilita bastante o diálogo com o público. O seu tema, a imaginação, por exemplo, foi ilustrado por obras de Magritte - um dos meus preferidos - e de Paul Klee.

Toda a sua palestra tentou abordar como é formada a imaginação nos seres humanos. Utilizando de áreas congêneres, o que é, segundo foi dito, uma das grandes contribuições de Ingold, ele foi até à psicologia para achar uma via própria que explique o seu ponto de vista sobre como é formada a imaginação: numa relação ao mesmo tempo distante e participante do meio em que está inserida.

De toda forma, houve um detalhe, colateral, que me chamou mais vezes a atenção que a palestra em si: ele lia o que falava. Sem que eu percebesse, eu acabava completamente concentrado não no contexto geral do que ele falava, mas nas palavras individualmente, sem conseguir, muitas vezes, formar um significado mais completo, complexo. Não adiantou ele usar uma linguagem simples e sem jargões, eu ficava, vez por outra, perdido.

Isso me lembrou um amigo meu que, há muitos e muitos anos, me disse que palestra não podia nunca ser lida. Na época, eu discordei dele, dizendo que isso era irrelevante. Agora, tenho que concordar. Em partes.

Se o texto das palestras não tiver sido escrito para ser lido em voz alta, o resultado, suspeito, será sempre esse. Há duas linguagens aí que cada vez se distanciam: a falada e a escrita. O discurso escrito requer uma atenção e concentração, mas passa o tempo da imersão para o lado do leitor. Ele pode ir e voltar, reler, fazer referências próprias, recorrer a outros livros para exemplificar um tema, entre diversos caminhos propostos.

Já a oralidade também precisa da concentração, mas essa necessidade é imediata - na hora que o palestrante começa a falar, o mundo lá fora se encerra e você deve apenas ouvir e ir processando as informações automaticamente. Para isso, o discurso oral consegue essa atenção por meio de outros recursos próprios, que devem seduzir o interlocutor. Isso vale para tanto para uma conversa simples de elevador - caso seja a intenção, óbvio - como para uma palestra sobre imaginação. O talento vai desde, por exemplo, a piada, a entonação, a troca imediata com o outro, o diálogo, a improvisação, até mesmo o erro, para saber que do outro lado há alguém de carne-e-osso.

Ao ler em voz alta um texto que deveria ser um ensaio, o palestrante mistura esses dois canais e, nesse nosso tempo cada vez disperso, corre o risco de perder conexão com os ouvintes. Como foi o meu caso. Muitas vezes se tem a impressão de que, se eu quisesse ler o que aquele senhor estava falando, eu leria. Eu estava ali para ouvi-lo. Aliás, vários dos convidados tinham ganho o textinho com o conteúdo da palestra. Fiquei imaginando por que eles, então, tinham ido ali, se podiam ficar em casa lendo e refletindo sobre o que aquelas palavras queriam dizer. Talvez para ganhar o papelzinho.

Claro que isso pode ser ajustado. A linguagem falada na televisão, nos programas jornalísticos, por exemplo, é toda escrita. Os apresentadores estão lendo tudo aquilo que eles falam tão casualmente em um teleprompter. Mas isso requer treino e mais treino, de quem escreve as chamadas "cabeças" - o texto lido pelo apresentador - para que ele se pareça cada vez mais com a fala, sem que perca totalmente a sua formalidade - mas uma formalidade sem engessamento, uma formalidade possível; e de quem a lê, para transformar aquelas palavras, aqueles sinais gráficos em sons coloquiais.

Hoje, suspeito que a melhor solução para uma palestra seja a improvisação sobre alguns pontos específicos listados e enumerados anteriormente. Claro que isso requer vários outros recursos, como, por exemplo, a capacidade de improvisar. Improvisar é um recurso bem mais complexo que se parece, como sabem os músicos e os atores que fazem teatro de improvisação. O principal, na minha opinião, porém, é uma constante: a segurança do palestrante. E isso não se aprende: se ganha, se conquista.

Me parece que o meu sentimento não foi único. Ao fim da palestra, entre professores dos cursos de pós-graduação de universidades e institutos públicos, ninguém quis fazer perguntas ou conseguiu concatenar o pensamento - ninguém conseguiu ligá-lo novamente na função ativa - para poder formular uma única questão sobre a palestra para Ingold. Quase um desperdício.

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