quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O preenchimento do vazio de cada um - parte 2

Esse vazio não é exclusividade de quem usa crack - e é aí que eu quero chegar. Todos nós carregamos conosco essa falta de sentido, essa completa e irrestrita perdição. Esse não saber para onde se deve / tem que/ quer ir. Fala-se do fim das ideologias, pós-comunismo, mas a questão é anterior. O comunismo, de certa forma, veio só responder a um anseio antigo, milenar, de igualdade. Ou de um mundo melhor. Só que em vez de no reino dos céus, como prega a tradição ocidental cristã, a paz na terra entre os homens, de bem ou de mal. Ou seja, esse vazio que sempre existiu era antigamente preenchido pela Igreja.

Depois, como bem explica Nietzsche, os deuses foram substituindo o Deus, cristão, que estava em desuso, com sua fé em declínio. Os deuses se reproduziram. Agora, pode ser o deus do dinheiro, o deus da família perfeita-de-comercial-de-margarina, o deus da dominação, do poder; ou mesmo deuses mais "aceitáveis" para a sociedade, como o deus da democracia, o deus da justiça, o deus da igualdade. Todos esses "deuses" são ícones, são ideologias, ideais, que, às vezes, nos obrigamos a ter fé para poder acreditar que a vida tem um sentido. Para fazer o tempo passar. Para nos entreter. Para não sentir esse vazio dentro da gente.

A indústria da celebridade tem que se atualizar
A "arte", em todas as suas versões, da mais chinfrim até a mais sofisticada, da mais pueril a mais complexa, é apenas mais um desses deuses. E o que eu chamo aqui de "arte" é um conceito bem amplo. Pode ser encarado/chamado por outras pessoas por outros nomes, como cultura, indústria cultural, cultura de massa, e até, de certa forma, a comunicação de massa. Algo que cai na categoria do entretenimento puro. Revista/site de fofoca, por exemplo, estaria nessa categoria. Na maioria das vezes, esse segmento funciona como passatempo, como uma forma de consumir uma pílula de felicidade, que vai dar um calorzinho interno, vai fazer as agruras passarem. Vai descortinar o sofrimento nosso de cada dia e nos alegrar, por um tempo determinado. Quanto mais fugaz, quanto mais vazia, sem significado, oca, aliás, mais rapidamente temos que consumir outra. Como viciados, precisamos de mais uma dose para continuarmos nublados, para nos mantermos longe desse vácuo que carregamos dentro de nós. Daí, eu acho, o crescimento da indústria de celebridade.

Essa arte-entretenimento, a droga e a religião [quando não usada como objeto de poder], portanto, têm a mesma "função", a mesma "utilidade" na sociedade: preencher o espaço vazio. O problema, me parece, é que o vazio funciona como se fosse um buraco-negro, captando tudo o que é colocado nele, em volta dele, por perto. Há pessoas que conseguem viver a vida inteira sem nem perceber que ele existe, já que estão tão inseridos na roda-da-vida, que agem como autômatos, sem parar para pensar no que realmente querem, são, ou estão.

Os demais, tentamos preencher esse vazio, alimentar esse monstro com os elementos que temos à mão. Às vezes conseguimos, outras, fracassamos. Entre esses, ainda há os que preenchem esse vazio com esses deuses auto-impostos [casamento, emprego estável, dinheiro, filhos etc.], e então as doses devem aumentar, até que, provavelmente, perdem o efeito.

Outros, como os monges, os abstêmios, os ascetas, ainda tentam encarar esse vazio, olhar bem no fundo dele, e conviver com ele, sem alimentá-lo. Mas essa talvez seja uma liberdade tão ou mais dolorosa que a própria dependência.

Como se vê, não existe solução fácil. Talvez, sejamos todos esses personagens, horas um, horas outro. Nunca parados. Talvez.

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