segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

'Shame' on us

Em uma cena no início de "Shame", um personagem totalmente coadjuvante faz uma crítica, que pode passar sem ser registrada pelos menos atentos, ao modo de vida cínica de nossos tempos. Como se para ter contato real [no sentido de o oposto ao virtual], houvesse necessidade, ou a escolha, de se proteger, ou de falar as "verdades" por meio de "mentiras". Ironia, sarcasmo, indiferença, todos, nesse caso, são sinônimos, em algum grau, do cinismo. Vivemos em uma epidemia onde o "outro" perde espaço, constantemente. Somos cada vez mais ególatras, umbilicais, preocupados em satisfação própria, que pode ser "resolvida" com a principal moeda desse homem utilitário: o dinheiro.


Dá para ver o filme inteiro aqui.

O filme, dirigido por Steve McQueen [o cineasta, não o ator morto em 1980], mostra o ápice do movimento rumo ao isolamento do homem dos nossos dias. Brandon, interpretado magistralmente por Michael Fassbender, é a exemplificação de onde pode chegar esse tipo de ser. Não gosta de ter qualquer relação duradoura com o "outro". Não tem, nunca teve, e nem enxerga a razão de se ter uma namorada hoje, por exemplo. Quando é confrontado com essa possibilidade, ou com um argumento que é contrário a esse seu pensamento, trava. Seu corpo não entende bem como isso pode acontecer.

Sua relação com o mundo é "produtiva". É organizado, no nível do obsessivo. É prático, como um matemático que corta as desnecessidades. É focado em práticas que lhe deem prazer. Só se aproxima de outras pessoas caso tenha possibilidade de tirar algum proveito. E tirar algum proveito, no caso dele, é gozar, sexualmente, se possível. Daí, fica sem saber como se portar com a sua irmã, que é exatamente o seu oposto. Insegura, frágil, emotiva. Talvez mostrando uma das faces da mulher nesses tempos utilitários.

Esse comportamento "prático" demais, em que se foca apenas naquilo que vai certamente dar resultados encarados a priori como produtivos, benéficos, em que se antecipa o futuro, como se fosse possível adivinhar o que vem por aí, em que se exclui os valores da vivência para se focar apenas na sua "essência" me lembra sempre de uma anedota sem graça que eu ouvi quando era pequeno:

Um avião de quatro turbinas tem um problema em uma delas. O piloto avisa para ninguém se preocupar porque havia outras três, que seriam mais que suficiente para manter a máquina voando. Assim que ele termina de falar, algo dá errado. Por falta do quarto motor, os primeiros vão se sobrecarregando, e falhando, um a um. Porque é bem difícil descobrir o que é realmente essencial. Talvez porque não haja qualquer essência que não mude.

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