terça-feira, 19 de março de 2013

A rainha da Inglaterra

Excepcional foto de Chris Levine [saiba mais aqui]
Normalmente se associa uma república, e não uma monarquia, a um estado mais democrático, em que todos são iguais perante a lei. Mas os fatos não são condizentes com essa afirmativa: basta pensar que a região onde há menos desigualdade social no mundo [um dos fatores que eu considero mais republicanos] é o Norte da Europa, que, se não me falhe a memória, são todos monarquias [a Finlândia é uma república, para comprovar a regra].

O ponto não é a defesa da monarquia - por favor, sou a favor da república parlamentarista! -, mas o papel que a monarquia tem em países como a Inglaterra, por exemplo, que conhecemos um pouquinho a mais do que, sei lá, Suécia, Holanda e Dinamarca.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que os monarcas da Inglaterra, desde há muito tempo, não são os absolutos enviados de deus, infalíveis nas sua atitudes. Era necessário negociar, argumentar, debater, enfim, viver em sociedade. Os ingleses se orgulham - e muito - da Magna Carta, lançada ainda nos 1200s. Isso, no século XIII. Comparada com as cartas magnas de hoje, ela será vista como algo extremamente antiquado e ultrapassado, mas imagine que há 800 anos um monarca teve que admitir em papel escrito direitos aos homens livres [como opostos aos servos].

Segundo consta, essa lei foi imposta ao rei que governava a Inglaterra pelos barões ingleses, como uma espécie de divisão dos poderes. Ainda há informação de que essa não foi a primeira vez que tiraram os poderes do rei. Parece, na minha interpretação, uma forma de negociação política interessante. Explico melhor:

As ilhas britânicas foram invadidas pela última vez na História por Guilherme, o conquistador [cada língua coloca o sotaque que quiser aí], no ano 1066. A data é lembrada de cor por todos os ingleses, com orgulho. Era um francês, mais especificamente um normando, o que explica freudianamente a relação que ingleses [filhos] e franceses [pais] têm até hoje, além da influência do francês no inglês.

Desde então, outros franceses, espanhóis, além de napoleônicos e hitleristas, para citar os mais famosos, tentaram entrar sem serem convidados nas ilhas, mas não lograram êxito. Guilherme unificou os povos, as aldeias, os clãs que viviam ali, erigiu diversos marcos arquitetônicos [como a Torre de Londres e, se não me engano, Westminster Abbey], negociou com quem encontrou e conseguiu criar um país, cerca de 300 anos antes dos seus vizinhos no continente. É uma vantagem e tanto.

Com a morte de Guilherme, que além de grande general, era um político, estadista e estrategistas, os chefes dos clãs, os tais barões, começaram a pressionar os seus sucessores que acabaram cedendo poder, por meio de instrumentos como a Magna Carta. Os barões podem ter perdido a guerra, mas não iriam perder seus poderes nem privilégios. O parlamento inglês, que começou a ser gestado na época de Guilherme, ganhou um belo e forte impulso.

De toda forma, é daí que nasce a ideia de que o rei não é absoluto, ou o enviado de deus, mas um representante do povo, que o mantém ali para o seu interesse. Nada mais democrático. Também é aí que está o germe da força do parlamento, a instituição que mais orgulha os ingleses, após apenas e provavelmente, a própria monarquia. Os primeiros-ministros e os demais ministros são todos MPs, ou "Members of the Parliament". O primeiro-ministro tem entre as suas atribuições prestar contas ao parlamento, à Câmara dos Comuns, sobre os seus atos.

Por que, então, manter uma rainha no poder? Os próprios ingleses se perguntam isso. Em uma pequena frase: porque eles gostam. Hoje em dia, há a preocupação de se justificar até mesmo financeiramente a existência da dona Elizabeth II. Dizem que o dinheiro deixado por turistas que visitam a Inglaterra para ver a monarquia compensa os gastos e as pompas com a família real. Deve ser. Mas não parece um pouco anacrônico ter uma monarquia hoje em dia? E uma monarquia que, em tese, pode influenciar o governo? Porque outra das atribuições do primeiro-ministro é se encontrar e ser aconselhado pela monarca - que subiu ao trono exatamente no segundo governo de ninguém menos Churchill. Aliás, é a monarca que, segundo a tradição - e os ingleses entendem de tradição - dá o poder para o primeiro-ministro.

Além de gostar, há uma outra informação importante que justifica os ingleses terem uma rainha. Ela cumpre um papel social, agregador, unificador. É um ícone de identidade, algo que todos têm em comum, mesmo que não concordem, mesmo que seja para criticar em uníssono. É uma chefe-de-estado, participa de eventos públicos, recebe autoridades, viaja para fazer relações públicas, é um exemplo para a nação. Fica com a pompa e deixa o trabalho duro para o prime-minister. Ela é o que os teóricos das relações internacionais chamam de soft power enquanto o chefe-do-governo é o hard power.

Ela é necessária? Não. Em várias épocas, houve a vontade de mudar o poder, a forma da Inglaterra seguir adiante, como na revolução de Cromwell, cuja estátua hoje fica em frente ao parlamento inglês. Mas logo perceberam que era trocar seis-por-meia-dúzia. Assim que Oliver Cromwell morreu, seu filho assumiu à frente do governo. Em outras, menos dramáticas, houve uma diminuição da aprovação - popular - da monarquia, como no recolhimento da rainha Vitória, após a morte do marido, ou no sumiço da Elizabeth II, quando morreu sua ex-nora, Diana. Em ambos os casos, reparem, foi o sumiço da vida pública, o desparecimento das suas presenças que as tornou supérfluas. Porque a imagem, e isso é o maior aprendizado não somente sobre monarquias, mas também sobre qualquer tipo de liderança, em qualquer nível, é o que se tem de mais importante.

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