segunda-feira, 18 de março de 2013

Ainda a sobrevivência e a vivência

OK, talvez eu tenha exagerado em colocar a "sobrevivência x vivência" na sua forma mais simples, no seu sentido mais puro. Talvez eu quisesse dar apenas uma outra conotação para o que eu já li com outros nomes. Explico:



A sobrevivência seria o ser humano [ainda me pergunto: "Dasein"?] no estágio que Nietzsche descrevia de "humano demasiadamente humano". O homem-mulher que, mesmo tendo a possibilidade de seguir os seus desejos, as suas vontades, os seus quereres, mesmo que isso seja possível, mesmo que a realização desses seus sonhos não lhe sejam vetadas, ele escolhe não escolher. Ele prefere, no dizer de Nietzsche, seguir a manada. Prefere manter-se dentro de uma sociedade, repetindo as ações que outros tiveram não para a realização de uma felicidade interna, mas para não desagradar o entorno, o outro, a alteridade. Se coloca numa posição passiva da sua decisão. Abstém-se da própria individualidade - novamente, não por desejo, mas - para não causar transtornos à sua volta. Teme o medo e fica paralisado.

Já a vivência, é o outro lado. É o homem-mulher que, ao ser dado a oportunidade de escolher, opta por seguir seu mais primordial instinto. Ouvir a voz que fala dentro do coração, que empurra para frente, que te traz coragem, que te coloca em pé, te faz seguro, dono de si, capaz de se erguer acima de si próprio. Que te faz senhor da própria vida. Que não precisa seguir convenções sociais, uma história, uma tradição. Que, mesmo cometendo uma ação que é vista por você próprio como um erro, não se arrepende, porque sabe que o erro é parte do acerto. Que quando quer fazer algo, e pode fazer esse algo, faz. Faz muito, e faz profundamente, e faz com vontade, rindo, um riso nervoso, de transe quase religioso. É o que Nietzsche, segundo as minhas interpretações, que já são baseadas em muitas outras, chama de "super-homem".

Esse "vivente" pode até fazer as coisas que ele faz no âmbito da "sobrevivência", mas, agora, ele as faz com atitude, com atividade, sem se colocar como passivo do "outro", da alteridade. Não é que ele sabe o que quer a cada instante, mas que ao ser colocado numa situação, ele opta por aquela que lhe é melhor ativamente. Age, nesse sentido, egoisticamente. Mesmo quando opta por ser altruísta, é de um altruísmo ligado à sua afirmação.

Vamos dar um exemplo banal já citado: o atravessar de rua. O que faz um homem-mulher atravessar a rua? Essa resposta tem que ser dada por quem atravessa a rua, não é possível outra pessoa opinar, além do homem-mulher que atravessa a rua. Ele atravessa a rua porque ele quer chegar em casa porque ele tem que chegar em casa? Ou porque ele quer chegar em casa? Porque ele quer evitar as aporrinhações que teria caso chegasse mais tarde em casa? Porque ele quer ver a mulher e o filho que estão em casa lhe esperando?   Porque ele está cansado? Porque ele quer dormir? Porque ele precisa dormir? Ou uma mistura de tudo isso?

O limite entre uma e outra atitude é extremamente tênue e totalmente individual - repito, totalmente individual. Apenas o próprio indivíduo tem a possibilidade de saber onde a sobrevivência acaba e a vivência começa. E mesmo ele não tem a garantia de descobrir essa diferença, de saber onde uma termina e outra se inicia. E se acaba mesmo para a outra começar. E nada, nem ninguém, fica estático em uma simples posição - balançamos para lá e para cá, ao sabor do devir, do destino, da ventura, ou do que quer que chamemos esse vir-a-ser.

Esses dois pontos são, ainda, extremos de uma régua. Comportamentos estanques que raramente acontecem sozinhos, sem serem contaminados pelo seu oposto. Não existe algo simplesmente "sobrevivência", ou "demasiadamente humano", ou o seu inverso, "vivência", "super-homem". Somos, ao mesmo tempo, sobreviventes-viventes, super-homens demasiadamente humanos.

A minha sugestão, a minha proposta, quase como um manual de auto-ajuda, é que tendamos para um dos lados. Que tenhamos as rédeas da própria vida na mão. Para o caso de enfrentar uma tranquila planície com solo agradável, poder galopar com o máximo de força. E não se acanhar.

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