segunda-feira, 4 de março de 2013

Utilidade e desvantagem da história

[Ainda algumas anotações ao ler o texto "Segunda consideração intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para a vida", de Nietzsche.]

- Logo no início, Nietzsche diz que a história corre o risco de ser "instrução sem vivificação". Parece que ele fala sobre tornar o saber algo prático, ou, ao menos, vivo. Acumular história é acumular dados, informação, sem qualquer ligação com a realidade. Mesmo que de maneira teórica, não é válido, produtivo, ou, na terminologia do filósofo alemão, afirmativo.

Se não houver processamento da informação, ou reflexão, os dados são completamente inúteis - enciclopédicos. Daí que o fato de hoje a memória ser universal ser algo que pode ser visto como positivo. Como diria a crítica argentina Beatriz Sarlo, desde a invenção da internet, acabou a erudição ["Después de

Google, no hay erudición sino links. Las teorías salvajes vive desesperadamente esta situación y quizá por eso Pola Oloixarac acumula referencias", daqui].
- "[...] o homem também se admira de si mesmo por não poder aprender a esquecer e por sempre se ver novamente preso ao que passou: por mais longe e rápido que ele corra, a corrente corre junto."

- "[...] aquele conhecimento de que a existência é apenas um ininterrupto ter sido [...]."

- "Se uma felicidade, um anseio por uma nova felicidade é, em certo sentido, o que mantém o vivente preso à vida e continua impelindo-o para ela, então talvez nenhum filósofo tenha mais razão do que o cínico: pois a felicidade do animal, como a do cínico perfeito, é a prova viva da razão do cinismo. A mínima felicidade, contanto que seja ininterrupta e faça feliz, é incomparavelmente maior do que a maior felicidade que só venha episodicamente., como capricho, como um incidente desvairado, entre puro desprazer, desejo e privação."

- Nietzsche fala sobre como o ser a-histórico é o homem apaixonado, completamente prenhe de potência. Talvez peque pela falta de detalhamento, mas é seguramente arrebatador.

- "Quem perguntar a seus conhecidos se eles desejariam atravessar uma vez mais os últimos dez ou vinte anos de suas vidas perceberá, com facilidade, qual deles está preparado para aquele ponto de vista supra-histórico: com certeza, todos responderão "não!", mas eles irão fundamentar diversamente este "não!". [...] Nós os denominaremos os homens históricos;"

Nietzsche associa o tema proposto com um dos seus tópicos preferidos: o eterno retorno. 

Curiosamente a ideia do eterno retorno é pouco associada à história, é mais uma argumentação moral: defende uma atitude afirmativa no presente - daí, o que Nietzsche chama de supra-histórico - em relação ao passado e ao futuro.

- Sobre as utilidades da história: "nosso tempo é tão ruim que o poeta não encontra mais na vida humana à sua volta nenhuma natureza utilizável." Nietzsche mostra um dos lados mais controversos da história para quem ele chamou de "homem de ação": ele deve olhar para trás para não sentir "nojo" do presente. "ele foge da resignação e utiliza a história como um meio contra a resignação." E qual é a recompensa para essa atitude? "Na maioria das vezes  não há o aceno de nenhum pagamento a não ser a fama ou seja, a candidatura a urn lugar de honra no templo da história onde ele mesmo pode ser uma vez mais mestre, consolador e admoestado".

- O homem de ação é o homem supra-histórico, e que também já foi chamado de super-homem: " apenas 
o que é grande sobrevive!"

- Fama = "continuidade do que há de grandioso em  todos os tempos, ela é um protesto contra a mudança das gerações e a perecibilidade."

- Eterno retorno, sob ponto-de-vista histórico:
se os pitagóricos tivessem razão em acreditar que uma mesma constelação dos corpos celestes também se deveria repetir, igualmente, sobre a terra, e isto até os eventos singulares e diminutos: de modo que sempre e de novo, quando as estreias estivessem em uma certa posição umas em relação às outras, um estoico se ligaria a um epicurista para matar César e novamente em uma outra relação Colombo descobriria a América. Somente se a terra sempre começasse a cada vez de novo sua peça teatral a partir do quinto ato, somente se estivesse assegurado que o mesmo complexo de motivos, o mesmo deus ex machina, a mesma catástrofe se repetiria em determinados intervalos, o poderoso teria o direito de cobiçar a história monumental em sua plena veracidade icônica, isto é, cada fato em sua peculiaridade e unicidade exatamente formada: provavelmente, portanto, não antes de os astrônomos terem se tornado uma vez mais astrólogos. Até aí a história monumental não precisará utilizar aquela plena veracidade: ela sempre aproximará o desigual, generalizando-o e, por fim, equiparando-o; ela sempre enfraquecerá novamente a diversidade dos motivos e ensejos a fim de apresentar o effectus monumental como modelo e digno de imitação, à custa das causae: de maneira que se poderia denominar este efeito, uma vez que ele abstrai o máximo possível das causas, com um pouco de exagero, como urna coletânea dos "efeitos em si", como acontecimentos que se
tornam efeito para todos os tempos.
- "os  juízes são conhecedores de arte porque gostariam de pôr  de lado a arte em geral." Uma crítica ao saudosismo, à nostalgia exagerada - a ideia de que o passado é sempre melhor que o presente.

Para Nietzsche, o passado deve servir de inspiração, não de imobilização.

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