quarta-feira, 3 de abril de 2013

As terceiras margens

Muito bonito o senhor Sloterdijk
Não sou nenhum leitor especialista em Peter Sloterdijk, ao contrário. Sou um neófito nos seus textos. Mas já há algo que eu gostei de cara nele, além dos motivos que me levaram a ele [Juliano, Heidegger, Rüdiger Safranski etc]: a tentativa de destruir as divisões humanas em pares. Acho que ter apenas duas opções é muito pouco para se entender o mundo.

Pelo que eu pude perceber até agora - mas posso estar completamente enganado -, Sloterdijk até toma uma posição polêmica, corajosa e extremamente perigosa: opta por um dos lados. Ele prioriza o homem, acredita no humano, no individualismo, sugere que invistamos nesse ser que até hoje conseguiu trazer a espécie mais ou menos intacta.

Entre as sugestões que eu li, por exemplo, parece que ele diz no primeiro volume da trilogia de sua obra máxima "Esferas" [acho que só traduzido para o espanhol] que o Estado substituiria o papel do superior ao indivíduo. Papel que antes havia sido interpretado por, entre outros, a mãe, enquanto o bebê ainda está na placenta. Ele é contra, pelo que eu entendi, ao pagamento de imposto proporcional à renda - entre outras ideias. No que eu vi, ele sugere que as pessoas paguem o quanto de taxas quiserem. Só assim, seguindo o seu argumento, o Estado não interferiria demasiadamente nas questões individuais. Digamos que numa disputa entre o Leviatã estatal de Hobbes e o Bom selvagem do Rosseau, ele estaria, me utilizando de uma grandessíssima liberdade poética e filosófica, do lado do francês. Como disse, é uma proposta no mínimo ousada.

Eu vou para um outro lado. Vou tentar fugir da política, apesar de não gostar que haja uma polarização entre a esquerda e a direita - como, aliás, cada vez mais se apregoa na teoria [e menos na prática]. Por que tentamos entender o mundo sempre com apenas dois conceitos? E mais: por que temos que ficar fixos em ideais que se mostraram falhos, ou que não podem se aplicar a todos os aspectos da vida? Por que temos que ignorar que podemos sempre "estar algo", portanto circunstancial, momentâneo, adaptável, maleável, em vez de, como agora, "ser alguma coisa", e aí, existencial, eterno, pesado?

Talvez essa minha atitude seja reflexo de uma vida quase que inteira sem ter que prestar continência a nenhuma grande ideologia - ou deus, para usar a minha expressão do momento. Talvez eu seja "pós-moderno", como já me chamaram. Talvez. Mas acho que a divisão fixa em dois grande totens muito limitadora. Também acredito que haja trocentas gradações entre um lado ao outro, como me disse meu cunhado americano-republicano. É verdade. Mas por que se ater a apenas duas formas de encarar o mundo? [E eu nem estou falando do Rede, novo partido da Marina, hein.]

Peguemos pelo lado da arte, por exemplo. Por que temos que gostar da vanguarda, por ser ousado, cerebral, desafiador, e desprezar o popular? Ou vice-versa: por que acreditamos que o fato de comunicar com as pessoas é a principal característica que uma obra deve ter? Por que não pensamos que o que torna um objeto qualquer uma obra de exceção é algo tão inapreensível que não dá para colocar apenas duas grandes balizas ao redor eles?

Alguns grupos tentaram, com mais sucesso na minha opinião, a solução terciária. Entre os que me ocorreram agora estão hindus, católicos e a dialética, vista mais recentemente sob a ótica marxista. O raciocínio hindu é bem interessante. Pensam ciclicamente com um personagem criador [Brahma], um mantenedor [Vishnu] e um destruidor [Shiva]. Assim, conseguem mitologicamente dizer que a vida nunca para. Os católicos fizeram uma mistureba grande: há o criador [deus pai], o mantenedor [deus espírito santo] e o destruidor [deus filho]. Ou, para usar a dialética: a tese [deus pais], a antítese [espírito santo, mas também aqui poderia ser o anjo caído, e agora me ocorreu que o espírito santo seria apenas um nome para satanás - Nota mental: desenvolver a ideia depois] e a síntese: [J.C.].

Eu gosto de uma solução mais caseira. Gosto da ideia principal do continho de Guimarães Rosa, "A terceira margem do rio". Como em quatro páginas é possível resumir uma ideia tão grandiosa? É ainda mais difícil retirar um trecho que dê conta do todo, de todo o paradoxo, da decisão de viver ao sabor do rio, no meio do devir, sem ter que optar tão fortemente por um ou outro lado, porque nenhuma margem é realmente uma escolha acertada, apenas demonstra a vontade de parar de viver livremente. Vou tentar: "Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia." Mas sugiro fortemente a leitura de todo o texto.

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