quarta-feira, 22 de maio de 2013

Além-do-homem x homem-até-aqui

O tradutor para o inglês dessa versão de “Nietzsches Wort ‘Gott ist tot’” que eu estou usando, professor William Lovitt [1881-1972], chama o famoso termo nietzschiano Übermensch de "overman", ou seja, ao invés da tradução para o português de super-homem, ele usa além-do-homem. Faz mais sentido. Considera ele que na interpretação de Heidegger, esse “homem” [fosse “super” ou “além-do”] não seria apenas um personagem, um sujeito, mas o homem, como instituição, como segmento, série, que nasce com a morte do Deus. Alguém, ou algo que vem após o fim de uma era, ou a suplantação de um ideal. Um além-do-homem, enfim, porque essa espécie chega com a partida do homem. O além-do-homem, visto assim, seria a categoria em que se encontram todos os homens-indivíduos que praticam a vontade de potência, que agora, após a morte de deus, e dos deuses, impulsiona o homem. Em seguida, no texto, há esse trecho:

"O homem-até-aqui considerou que modo do Ser-do-que-é apareceu até então? O homem-até-aqui se assegurou que sua essência tenha a maturidade e a força para corresponder ao chamado do Ser? Ou o homem-até-aqui simplesmente se deu bem com a ajuda dos expedientes e desvios que o direcionaram para longe sempre novamente da experiência do-que-é? […] O homem-até-aqui gostaria de permanecer homem até aqui [...] Homem-até-aqui não está, em sua essência, nada preparado para o Ser."1

Heidegger cria uma expressão, e a usa bastante a partir de agora, que é traduzida para o inglês como “man hitherto”, o "homem-até-aqui", para deixar claro que houve, na sua opinião, uma modificação a partir de "aqui" – a saber, a partir da morte de deus. Nesse sentido o homem-até-aqui seria a oposição do além-do-homem, isto é, o homem ainda sobre a influência de uma moral exterior. O homem-até-aqui não experimentou, não pôde ter experienciado, a vontade de potência como a sua principal característica, porque ainda está preso aos ícones anteriores que o anulam, determinando seus limites, de fora para dentro.

Segundo Heidegger, dentro uma cadeia de importantes auto-conquistas, é a lei estabelecida no Ser, que está fazendo o homem ficar maduro o suficiente para saber, para encarar o que é pertencer ao Ser. E essa lei é, nada mais, nada menos, que a vontade de potência, que é pessoal, interior, única, e cuja essência está se mostrando como vontade. Para Heidegger, esse comportamento, a caracterização do homem como “além-do-homem”, cuja marca principal é respeitar sua vontade de potência, e não ficar sob o comando do deus, marca um período: a última época da metafísica.

O fim da fé cristã resulta na mudança do comportamento do homem. Agora, desde que ele não tenha substituído a fé cristã por nenhuma outra fé aprisionadora, sua vontade é a vontade de potência. Que determina e condiciona a essência do homem. A norma perdeu seu poder de efetiva ação via propostas incondicionais e imediatas, onipresente e infalível. Esse mundo suprassensível, baseado nesses elementos exteriores que não se importam com as vontades de cada um dos homens, não mais apoia a vida. Esse mundo se tornou sem vida. Daí o termo usado "Deus está morto".


1Heidegger, 1977 / 97, em tradução livre

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